Bissau, 15 jan 2023 (Lusa) – O investigador João José “Huco” Monteiro considera, em declarações à Lusa, que a atual sociedade guineense não é a que foi projetada por Amílcar Cabral, “pai” da independência do país, assassinado a 50 anos na Guiné-Conacri.
“Não. Digo perentoriamente que não. Em todos os aspetos”, declarou “Huco” Monteiro, sociólogo e investigador no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) e antigo chefe da diplomacia guineense, para quem “o único projeto verdadeiramente nacional” foi o que foi idealizado por Cabral.
O ex-governante agora dono da Universidade Colinas do Boé, em Bissau, justifica sua opinião argumentando que Amílcar Cabral “sempre disse aos seus camaradas” da luta armada pela independência da Guiné e Cabo Verde que não podiam “aniquilar o colonialismo” nos dois territórios para praticarem os mesmos males às populações.
Para “Huco” Monteiro, Amílcar Cabral era um revolucionário que defendia uma rutura nas práticas de relacionamento entre os detentores do poder com a população.
“A sociedade que ele queria não era esta. Ele preconizava uma sociedade com um Estado. Já não falo de liberdades fundamentais porque na altura não estava na agenda. Nós éramos mais ou menos de orientação comunista, a liberdade individual submetia-se aos interesses coletivos (…) mas, a liberdade em si do nosso povo, o direito à palavra das pessoas, à crítica das pessoas, a preocupação com a unidade”, afirmou Monteiro.
Um assumido “Cabralista”, designação não oficial que é dado a alguém que estuda ou pratica os ideais de Amílcar Cabral, “Huco” Monteiro considerou que o “pai” das independências da Guiné e Cabo Verde “estava muito avançado no tempo”.
Monteiro exemplificou que Cabral, assassinado a 20 de janeiro de 1973, na Guiné-Conacri, era contra a divisão dos guineenses com base na pertença étnica.
O antigo ministro considera que, “dificilmente, haverá um outro Amílcar Cabral”, até pela sua singularidade de entre os da sua geração.
“Ninguém tinha” o gabarito de Amílcar Cabral e em Cabo Verde os intelectuais nunca se assumiram disponíveis em romper com a ordem colonial.
“Em Cabo Verde havia muitos intelectuais, mas mais conformistas do ponto de vista da política. Aceitaram a dominação colonial, Amílcar não, colocou-se num outro patamar da rotura nacionalista”, observou Monteiro.
“Era um homem doutrinado nos ideais mais avançados e mais humanistas da atualidade internacional. Era um homem especial, muito especial”, referiu Monteiro.
Mesmo estando a viver num Portugal ditatorial, Amílcar Cabral foi um privilegiado, por ter tido acesso ao mundo a partir da sua permanência e estudos no solo luso, defendeu o sociólogo guineense.
“Huco” Monteiro lembrou o facto de Cabral e outros jovens nacionalistas africanos terem recebido em Portugal o “pai” do pan-africanismo, o sociólogo norte-americano William du Bois e de outros companheiros ainda terem tido contactos com movimentos em França.
“Huco” Monteiro destacou ainda a facilidade com que Amílcar Cabral lidava com os nativos do território que o viu nascer a 12 de setembro de 1924 em Bafatá, leste da Guiné.
“Vivia com os guineenses numa sociedade complicada, sociedade colonial onde havia quase a estratificação racial. A classe social era quase secundada pelo aspeto racial ou cultural. Estava lá esse homem metido no desporto, na organização de bailes de confraternização com guineenses”, frisou Monteiro.
O sociólogo também enfatizou o “carinho” que Cabral dispensava às crianças, que considerava as flores da luta e a razão do combate pela independência, e ainda a “atenção especial” que dedicava às mulheres.
“Hoje fala-se da quota das mulheres em diferentes serviços e em muitos países está em voga este aspeto do género que Amílcar já praticava na Luta de Libertação Nacional", observou "Huco" Monteiro dando exemplos com a presença de mulheres nos órgãos de decisão na luta armada e também, disse, fazia as mesmas exigências mesmo na formação de comités de 'tabancas' (aldeias).
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