sábado, 12 de agosto de 2023

Opinião: O QUE ESTÁ POR DETRÁS DA PRETENDIDA INTERVENÇÃO DA CEDEAO NO NÍGER?

Os leitores da nossa entrevista sobre a intervenção da CEDEAO no Níger publicada no jornal “O Democrata” no dia 06/8/2023, pediram uma análise mais profunda sobre a questão do Sahel em geral e da presença das forças estrangeiras naquela região em particular. Uma análise complexa que requere um conhecimento da geopolítica, geoestratégia, mas sobretudo do lugar estratégico que ocupa a região do Sahel na politica internacional. A análise exige uma abordagem multissetorial, ou seja, uma análise de perspetiva geográfica, histórica, securitária, económica e política só assim poderemos entender e compreender o que está em jogo na região saheliana.

O Sahel é aquela região desértica que se estende sobre nove milhões e seiscentos mil quilómetros quadrados (9.600.000 km2), quatro vezes superior a superfície da RDC, igual superfície que a China e os Estados Unidos da America. Esta região situa-se a 2.780 quilómetros de Paris, menos mil quilómetros de Madrid, a partir da região do Kidal, no Mali, estamos somente a 2500km de Marseille e Bamaco está a 3.920 quilómetros de Paris, ao alcance de um míssil balístico com a capacidade de atingir um objetivo a dez mil quilómetros. Estes dados revelam-nos o interesse geoestratégico capital para a Europa e outras regiões longínquas que o Sahel reveste. Na realidade, quem quer combater eficazmente a Europa pode fazê-lo se controlar esta região.

Controlar o deserto do Sahara representa uma ameaça verdadeira para a segurança da Europa. Imagine que a Rússia do Vladimir Putin controle uma parte deste deserto ou toda região do Sahara! Seráinaceitável para a NATO. Esta realidade pode ser comparada à crise dos misseis de Cuba em 1962, quando os Estados Unidos obrigaram a Rússia a retirar os seus misseis em Cuba e Os EUA retiraram os seus da Turquia. Esta é a razão securitária que motivou e continuará a motivar a presença de forças Europeias nesta região. Os europeus que combatem nesta região fazem-no pelos seus próprios interesses e não estão aqui para ajudar o Mali, ou o Burkina Faso ou o Níger.

Outra razão da presença militar europeia no Sahel é que o Sahara constitui o caminho de todos os tráficos para a Europa. Há muitos negócios nesta região, mais de 60% da droga que chega à Europa transita por esta região. É a principal porta de entrada da droga que vem da America latina, do Paquistão, do Afeganistão etc.

Um dos aspetos mais importantes da presença dos europeus no Sahel é a economia. O urânio do Níger explica a posição estratégica que ocupa este país no espaço mundial. O Níger é a quarta reserva mundial deste recurso natural que serve para fabricar armas.

Daí que se compreenda a vontade das grandes potências de controlar estes recursos. A França consome 7 mil toneladas de urânio por ano que vêm do Níger, do Uzbequistão e Canada. O Mali é uma das maiores reservas de ouro. Em 2021, o país ocupou a terceira posição no continente na produção do ouro com 68,5 toneladas atrás da África do Sul e do Gana. Assim, para além de questões geoestratégicas, há igualmente as questões económicas, que justificam a presença europeia no Sahel.

A perspetiva histórica da nossa análise ensina-nos que, em 1884-85, Bismarck, o então chefe da Europa, tinha convocado a famosa conferência de Berlim para a partilha da África. Depois da segunda Guerra Mundial, as então grandes potências tinham partilhado o mundo e pediram o respeito das regras que acordaram. Assim, àRússia foi atribuída, na Europa de leste, a Crimeia, Geórgia, e a Ucrânia; os Estados Unidos ficaram com o oriente-medio e a America Latina; a China ficou com a Ásia e a África foi entregue à França e Grã Bretanha.

É por que a França violou as regras acordadas na conferência de partilha, interferindo-se no espaço da influência Russa, especialmente em Crimeia, Geórgia e Ucrânia que os Russos estão no nosso lado hoje. Portanto, não devemo-nos enganar, eles não estão em África por altruísmo ou por amor ao povo Africano. Os Russos estão em Africa por seus interesses e também para punir a França por ter se imiscuído na sua área de influência. Hoje, a França está a tentar juntar toda a Europa para uma reconquista do continente Africano, Para isso ela está consciente que haverá sempre em África dirigentes marionetas e cúmplices tais como a CEDEAO (braço de repressão politica da França na África ocidental) e a União Africana, para assegurar que as suas ordens são executadas.

Depois de termos evocado todos os verdadeiros motivos da presença das forças estrangeiras no Sahel, que também nos permitem compreender o porquê da insistência do ocidente, sobretudo da França, para uma intervenção militar no Níger, torna-se evidente que os argumentos que eles nos vendem, de má-governança, de ilegitimidade e corrupção não são sustentáveis. As considerações democráticas, eleitorais e legitimistas não podem passar quando a sobrevivência do Estado está em perigo. Como podemos apoiar uma intervenção da CEDEAO no Níger com todo este conhecimento? Se a CEDEAO tem capacidades operacionais, porquê não nos livra do problema do terrorismo em Africa? Mas querem intervir no Níger para satisfazer a vontade do imperialismo que agarra nos conceitos de Democracia e legitimidade para nos empurrar a matarmo-nos. Querem ir defender o “cratos” sem proteger o “demos”. O “demos” do Níger já demostrou a nova legitimidade, mesmo não vindo das urnas, vem do povo e a legitimidade eleitoral não pode ser superior a legitimidade popular. A CEDEAO e a União Africana, para além de fato que devem analisar as causas e origens de golpes de Estados, devem recordar-se das consequências da destabilização da Líbia pela Nato para impedir qualquer intervenção militar no Níger.

A repetição é pedagógica. É agora o antigo presidente do Níger, Bazoum, que nos narrou a conversa que o seu predecessor, Mouhamadou Yousoufou, teve com o então Presidente americano, Barack Obama, em Deauville em França. O Bazoum nos tinha dito que quando o Presidente Mouhamadou Yousoufou pediu a Obama para não destabilizar a Líbia por que se destabilizasse a Líbia, todo o Sahel seria destabilizado. Este último lhe tinha respondido, “we will finish the job”, “vamos concluir o trabalho”. O job de eliminar Muhammad Kadhafi planeado pela França de Nicolas Sarkozy, a GrãBretanha de David Cameron e Os Estados Unidos de Barack Obama foi finished com êxito, mas a destabilização evocada pelo então presidente do Níger, Mouhamadou Yousoufou, também é uma realidade até hoje. O atual Presidente da França, Macron, numa entrevista ao jornal “O Fígaro” em 2017, reconheceu que foi um erro da parte da França destruir a Líbia por que daí nasceram os grupos terroristas que destabilizaram todos os Estados frágeis do Sahel. Se a destabilização da Líbia teve tais consequências, quais serão as consequências de uma intervenção militar no Níger? Com certeza toda a região da CEDEAO será destabilizada, só para tornar no poder um indivíduo que vai proteger os interesses franceses.

Milhares de pessoas vão perder a suas vidas e bens para proteger os abstratos conceitos de legitimidade e de democracia que são nada mais que pretextos usados pelo ocidente para conseguir os seus objetivos em Africa.

O ressurgimento de golpes de Estados no espaço CEDEAO deve ser visto como uma falha dos ditos regimes democráticos que não conseguiram satisfazer as demandas sociais, de segurança, de desenvolvimento. Os democraticamente eleitos, quando não servem o povo, mas se auto servem, promovendo a injustiça social, têm sempre que esperar revoltas seja da parte dos homens de fardas ou da sociedade. Quando Bazoum permitiu a presença das forças francesas,o Mali sem pedir a opinião da Assembleia Nacional do Níger ninguém lhe chamou a atenção, quando ele dizia que os terroristas são mais valentes que as tropas nigerinas, onde estava a CEDEAO? A juventude Africana está consciente por ter estudado nas grandes Universidades Europeias e ter a capacidade de análise para perceber as questões geopolíticas.

Não à intervenção do sindicato dos chefes de Estados no Níger. É uma intervenção imperialista e de proteção das suas cadeiras. Se não querem golpes de Estados que trabalhem para o bem-estar dos vossos povos não do imperialismo.

Por: Abdou Jarju
Professor Universitário e Antigo embaixador da Gambia
Conosaba/odemocratagb

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