quarta-feira, 17 de abril de 2024

Ilhas de Uno: ESCOLAS PÚBLICAS FECHADAS POR FALTA DE CARTEIRAS


[REPORTAGEM] O Setor de Uno, administrativamente dividido em quatro secções, Uno, Orango Grande, Oracane, Unhukun, com uma população de 6.751 pessoas isto de acordo com o censo de 2009, tem, segundo os dados da inspeção setorial, apenas 75 professores e 23 escolas. Regista-se a insuficiência de carteiras nas escolas públicas, o que levou duas escolas a fecharem as suas portas por falta de carteiras, como também os alunos são obrigados a sentarem-se a três na mesma carteira, porque não têm carteiras.

O pequeno setor administrativo de Uno conta no total com 23 escolas, entre públicas e privadas, mas atualmente funcionam 21 devido à falta de carteiras, o que levou as duas escolas públicas a fecharem as suas portas.

A cidade administrativa tem 12 escolas, 5 públicas e 7 privadas. A Secção de Orango Grande tem 2 escolas públicas, 1 privada, 1 jardim de infância, a Ilha de Imbone tem 1 escola pública, Uracane tem 3 escolas, mas atualmente funcionam 2. A ilha de Eguba tem 1 escola privada, mas não está a funcionar. Unhucunzinho tem 1 escola pública, Unhucun Grande tem 2, 1 privada e a outra é pública.

A repórter de O Democrata pôde constatar no terreno que em algumas escolas do setor de Uno, os alunos sentam-se três numa carteira, algumas escolas foram construídas pela própria população e apoiadas por algumas organizações internacionais, sendo algumas vedadas com troncos e outros sem vedação, sem eletricidade, nem casas de banho e quase todas não têm condições higiénicas e têm servido de refúgio para as moscas e outras pestes .

O diretor do Liceu setorial An-Onho Maria Odogoré, Miguel Sambú, explicou que o liceu tem apenas 10 salas de aulas e neste ano letivo tem 245 alunos do 7º a 12 º ano de escolaridade, mas devido às demandas defendeu que é necessário aumentar o número de salas, porque “as salas de aulas que o liceu tem algumas não funcionam por falta das carteiras e o número de professores é insuficiente para responder às necessidades da população local, são apenas 17 professores”.

Apurou o semanário que no complexo escolar onde funciona o liceu, também funcionam o primeiro e segundo ciclos em dois períodos, de manhã e à tarde, e conta com um total de 8 funcionárias de limpeza, mas ainda assim as condições higiénicas não são boas.

“Quando um liceu como este, com 10 salas de aulas, não tem carteiras suficientes para os alunos, significa que o processo de ensino e aprendizagem não está bem. Ter numa turma 35 alunos, por falta de carteiras e professores é antipedagógico. As carteiras foram construídas para se sentarem a 2, não a 3. Colocar 3 alunos numa carteira não garante um processo de aprendizagem são, sobretudo nos exames e porque também o professor não terá a capacidade de controlar os alunos. Temos pedido às entidades competentes a prestarem mais atenção ao sistema educativo, principalmente nas zonas isoladas que, devido à situação geográfica, têm suas limitações”, disse.

DIRETOR CLAMA POR COLOCAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA E DE PORTUGUÊS

Para Miguel Sambú, é urgente a colocação de professores, principalmente os das disciplinas da matemática e do português. Esta situação leva os professores a terem cargas horárias excessivas e “existem professores com 30 tempos semanais”.

Para além da carga horária, o diretor lamentou o isolamento a que são submetidos, sem grandes incentivos.

“O transporte marítimo aqui é uma vez por semana. Os professores apenas recebem salários em Bissau, às vezes essa ligação semanal falha por vários fatores. Isso não é bom para um professor, nem para os alunos. Imaginemos se um professor ficar ausente da escola porque viajou para o continente e por condicionalismo de transporte fica por mais dias em Bissau, haverá quebra não só a ligação entre o professor e os alunos, como também na assimilação da matéria”, lamentou.

Questionado se o liceu ainda funciona em regime de autogestão, Miguel Sambú explicou que os pais e encarregados de educação colaboraram com a direção da escola e que pagam um valor simbólico, mas neste momento funciona como uma escola pública normal e as propinas variam de 5000 a 7.500 francos CFA por estudante.

Sobre o abandono escolar, Miguel Sambú disse que antes registrava-se um número significativo de abandono dos alunos, mas nos últimos tempos essa tendência diminuiu, afirmando que esse fenómeno poderia estar ligado à influência religiosa e às práticas tradicionais, como o fanado.

“No ano anterior realizou-se a cerimónia do fanado, mas não refletiu muito, o número das crianças era insignificante. Este ano constatámos que o número de alunos reduziu não por razões tradicionais, mas por causa da construção de um liceu experimental em Cabuno, que leciona até ao 8˚ ano de escolaridade”, sublinhou.

“Quero pedir às ONGs que trabalham nesta zona, para apoiarem a população, sobretudo na área social para o desenvolvimento do setor, permitindo que os populares estejam preparados para diferentes assuntos da vida. É verdade que a instabilidade política e governativa do país não tem ajudado as organizações a trabalharem normalmente, mas que tentem apoiar na medida do possível”, frisou.

Por seu lado, o diretor da escola do Ensino Básico Unificado local, Nanjo Silva Bacurim, disse que aquele estabelecimento de ensino tem 8 professores, que lecionam do primeiro ao sexto ano e são obrigados a terem cargas horárias para corresponder às demandas dos alunos.

O inspetor da educação do sector de Uno, Sabino Morato Biaguê, disse que o setor de Uno está composto por sete ilhas, mas apenas uma não tem uma única escola a funcionar e a maior parte tem escolas a funcionarem do primeiro ao quarto ano de escolaridade. A ilha de Uracane tem até ao segundo ciclo e as de Orango Grande e Uno têm todos os ciclos.

“Nestas ilhas, se os alunos transitarem para o quinto ano ou quarto ano têm como alternativa Uno, Orango Grande, Bubaque ou Bissau, caso tenham familiares nestes lugares. Aqueles que não têm, ficam sem estudar”.

Sabino Morato Biaguê explicou que a situação das ilhas é alarmante no que diz respeito às condições das escolas e aos níveis de ensino oferecidos às crianças.

“Não é a mesma coisa que no continente. Quando um aluno quer ir para uma aldeia, pode deslocar-se de bicicleta ou de motorizada para frequentar aulas e depois voltar, mas nas ilhas é impossível fazer essa engenharia, de maneira que alguns acabam por não continuarem a estudar e ficam fora do sistema do ensino”, denunciou, lembrando que mesmo dentro do Uno, as tabancas estão distantes umas das outras, algumas têm uma distância de 12 a 18 quilómetros para o centro da vila.

“As crianças das ilhas são várias vezes penalizadas. No continente, as crianças que frequentam aulas nas zonas distantes das suas aldeias às vezes recebem ajudas das ONG´s, que oferecem bicicletas ou outros meios para facilitar o percurso, mas das ilhas são esquecidas. Uma criança de 9 a 10 anos, se concluir o 4˚ ano de escolaridade numa tabanca que tem apenas o primeiro ciclo, para dar a continuidade aos estudos é obrigada a andar diariamente quilómetros, ida e volta, no meio da mata. Devido ao perigo que correm no percurso, os pais suspendem-nos da escola até terem 13 ou 14 anos de idade, quando julgam que serão capazes de aguentar a distância. Alguns, depois dessa longa paragem nunca mais retomam à escola”, criticou.

Anunciou que a direção regional está a trabalhar para a implementação do terceiro ciclo numa das tabancas, concretamente no Cabuno, uma das aldeias rodeadas de várias outras, Ancarabi, Anghodigo, Anca-udjo e Bruce, minimizando o percurso até à cidade.

A situação da falta de professores naquele setor tem sido uma preocupação. O setor, até dezembro de 2023 precisa de 38 professores para fazer a cobertura total, entre os quais 22 para ensino básico, primeiro e segundo ciclo, e 16 para o terceiro ciclo.

“No universo de 16, vamos precisar de 2 professores da língua portuguesa, 2 para especialidade da física e da matemática, 3 para a educação visual, 1 para a biologia, 1 para a química, 3 professores da língua Inglesa, 1 da introdução à economia para os alunos do 12˚ ano, 2 para a história e a geografia e 2 professores para a língua francesa”, sublinhou.

Questionado sobre como avalia a aprendizagem dos alunos e das condições físicas das infraestruturas escolares, o inspetor disse que em termos de nível de aproveitamento é impossível dar uma percentagem alta, devido a vários fatores que não têm nada a ver com a falta do empenho e da dedicação dos professores, mas sim por causa da distância que as crianças percorrem diariamente.

“Por exemplo, um aluno que percorre 18 quilómetros de casa à escola para entrar às 8 horas, mesmo levantando-se cedo chega sempre atrasado à escola e cansado para assistir às aulas. Das 11 às 12 horas começa a pensar na distância que vai caminhar debaixo de sol para voltar a sua aldeia, isso sem dúvida enfraquece a aprendizagem. Contudo, são crianças trabalhadoras, mesmo com sacrifício”, disse.

“PROFESSORES DAS ILHAS SÃO HERÓIS, TRABALHAM COM SACRIFÍCIO E EM TOTAL ISOLAMENTO” – INSPETOR

Para o inspetor Sabino Morato Biaguê, os professores que lecionam nas ilhas são heróis, porque “trabalhar naquela zona com tanto sacrifício e isolamento é o sinal de heroísmo, a começar pela falta de transporte marítimo”, enfatizando que a escola reúne as condições mínimas: tem pavimentação de cimento, cobertura, com a exceção de duas escolas, uma de Anghodigo que não tem pavimentação nem rebocos e na ilha de Imbone que foi afetada pela erosão, obrigando-lhes a abandonarem aquele edifício para ir construir barracas em outros lugares para assegurar este ano letivo.

“Temos problemas da água nas escolas. Graças à intervenção do Programa das Nações Unidas para Infância, a UNICEF, conseguimos através do projeto denominado água, higiene e saneamento, executar 3 furos em 3 escolas que neste momento estão a desfrutar da água potável e as obras para reparação das latrinas ainda não iniciaram. Queremos acreditar que vão continuar a trabalhar para ajudar as crianças das ilhas que tanto necessitam do apoio em todos os domínios”, disse, afirmando que a falta de carteiras nas escolas de setor de Uno tem sido um problema crónico e a falta de vedação das escolas para impedir que os animais tomem conta do recinto também.

“Nenhuma escola tem pessoal de limpeza neste momento, por causa de falta de pagamento. São os próprios alunos e professores que fazem a limpeza de manhã antes de iniciarem as aulas, de maneira que em termos de higiene e saneamento nas escolas de setor de Uno não é de bom. Também outra dificuldade constatada tem a ver com a falta de colaboração da comunidade. Os paus utilizados na vedação das escolas são retirados no período das férias pelas mulheres para usarem como lenhas de cozinha. As crianças violam portões para irem brincar”, denunciou.

O inspetor setorial exortou ao ministério da educação nacional a colocar professores naquela ilha o mais rápido possível, equipar as escolas com carteiras, para evitar o encerramento dos estabelecimentos escolares por falta de carteiras.

“As salas que estão a funcionar deveriam ter 18, não 7 ou 8 carteiras para albergar 38 alunos. Isso é inaceitável e não se pode reduzir os alunos por causa da falta de carteiras”, sublinhou.

CANOAS DE PESCAS APOIAM A COMUNIDADE NA LIGAÇÃO ENTRE ILHAS

A ilha de Orangozinho, que conta com um centro de saúde tipo C, está a braços há muito tempo, sem transporte de carreira e as deslocações entre as ilhas são asseguradas pelas pirogas de pesca, também não têm cais adequado, o local de desembarque é uma praia normal e por iniciativa própria, os populares decidiram fazer um trabalho voluntario de melhorar a rampa do porto local para assegurar a exploração de moluscos, uma das principais atividades das mulheres, além da tecelagem de palhas e saias bijagós.

A Orangozinho, que faz parte do setor de Bubaque, tem apenas duas salas de aulas e funcionam em três turnos, das 7 às 11 horas, das 11 às 15 horas e das 15 às 19 horas. Tem 5 professores e mais dois auxiliares, voluntários da comunidade, tendo em conta a condição física da própria escola.

Interpelado pelo jornal O Democrata, o subdiretor da Escola Acanho Na Nir, Marciano Mário Té, disse que aquela escola funciona do primeiro ao sexto ano de escolaridade, mas devido às dificuldades que os pais e encarregados enfrentam em termos financeiros o número de alunos está a reduzir-se muito. No total tem 84 alunos e “é muito pouco um professor lecionar 7 alunos numa sala de aulas”.

“Há uma intenção de reforçar os professores nesta escola, mas devido às condições da escola e o próprio número insignificante dos alunos, acabamos por ficar apenas com cinco professores. Costumamos cobrar as matrículas 500 francos CFA por criança, mas este ano não cobramos nada e os professores da comunidade que não têm contrato com o Ministério da Educação Nacional são pagos através do dinheiro de autogestão. Os alunos pagam 1000 francos CFA por mês, para evitar paralisações”, sublinhou, revelando que a escola também não tem água potável, nem casas de banho a funcionar.

Por: Epifania Mendonça
Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário