segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Sociólogo Tamilton Texeira: “SE A GOVERNAÇÃO FOR PARA O POVO, CONTER OS GASTOS DESNECESSÁRIOS, A COLIGAÇÃO PODE RESOLVER A CRISE SOCIAL”

[ENTREVISTA] O jovem sociólogo e analista político, Tamilton Texeira, alertou que se a coligação vencedora das eleições, decidiu governar para o povo, atenta, estudada com estratégias bem definidas, conter os gastos desnecessários e colocar a população no centro, pode resolver a crise social e dar respostas à questão da fome no interior do país por causa de má campanha de comercialização da castanha de cajú, bem como a situação da educação e saúde.

“Mais de 60% das terras da Guiné Bissau são terras aráveis, mas que não estão a ser cultivadas. Chove mais de cinco meses, isso é economia e temos que começar a pensar na chuva como a economia. A capacidade agrícola e de criar pequenas indústrias tem que ser trabalhadas e desenvolvidas. Por que não transformar o setor de Bambadinca num celeiro de produção e transformação de batata, de bananas e de ananás? Biombo, por exemplo, na produção de mangas de qualidade e da sua transformação e sumos diversos e por que não transformar várias outras regiões em celeiros de produção de arroz?”, questiona o analista, durante a entrevista ao O Democrata para falar dos desafios do executivo da Coligação PAI – Terra Ranka, liderado por Geraldo Martins, sobretudo na resolução da crise social que afeta a população.

Afirmou, neste particular, que o país tem muito para transformar para a sua população que não é grande. Avançou que “o país não tem muitos recursos, mas os que tem estão acima das necessidades da população, inferior a dois milhões de pessoas”.

SOCIÓLOGO DEFENDE UMA GOVERNAÇÃO VOLTADA A INDICADORES CONCRETOS

Questionado sobre qual será o maior desafio de Geraldo João Martins, o novo chefe do governo, o sociólogo e analista político Tamilton Teixeira começou por alertar que é preciso tomar em consideração as particularidades que o país tem visto, que a Guiné-Bissau “foi completamente destruída” ao longo de décadas, sem grandes infraestruturas.

“A educação, por exemplo, nunca foi tida como prioridade. O setor da saúde está como está e a economia do país praticamente degradada. São vários os desafios que o novo executivo terá que enfrentar ao longo do seu mandato. Para ser preciso, o principal desafio não será exatamente essas questões que acabei de elencar”, indicou.

O sociólogo destacou que o país tem várias respostas a dar a vários desafios no futuro, pelo fato de a Guiné-Bissau ter caído numa espécie de desacreditação no contexto internacional e a nível da diplomacia externa, ao contrário daquilo que se tem dito de forma forjada que o país ganhou credibilidade internacional.

Apontou neste particular que o principal desafio de Geraldo Martins e do seu governo deverá ser colocar a governação no centro, porque “os últimos governos que o país tem tido, não têm conseguido governar, dar respostas às necessidades básicas da população, nomeadamente: à educação, à escola, à alimentação à saúde e à segurança”.

“Governar para as pessoas é ter as pessoas no centro de todas as preocupações da governação. O Estado é o produto de um contrato social em nome de uma sociedade política organizada, que decide alienar parte da sua liberdade, permitir que um determinado grupo de pessoas legisle e tome decisões em seu nome”, defendeu.

Lembrou que estatisticamente, 46% da população guineense é analfabeta, associado a problemas de saúde, indicando que os dados mais recentes do Fundo das Nações Unidas para a População (FUNUAP) apontam que por ano, mais de duzentas mulheres guineenses morrem durante o parto.

Tamilton Teixeira disse que Geraldo Martins e todos os partidos envolvidos na governação devem apostar numa governação com dados, indicadores das crianças que morrem ao ano, ao nascer, meninas em idade escolar que não frequentam a escola.

“Temos, por exemplo, 34% das meninas em idade escolar que não vão à escola. Temos pressão da fome crónica e adultos que vão para a cama sem comer, temos graves problemas sociais. A governação tem quer ser baseada nos números do país, o que implica que o governo terá que estudar, fazer um trabalho de casa, não apostar numa governação especulativa com medidas paliativas, organizar o setor da educação e tirar a única universidade pública do país da situação de vergonha. Mas a questão que se coloca neste momento é: quanto tempo terá este governo, se olharmos para a história e a realidade política do país?”, frisou.

“BANALIZAÇÃO DA POLÍTICA LEVOU AO EMPOBRECIMENTO DOS CARGOS PÚBLICOS”

Defendeu que os ministérios chaves, nomeadamente da Educação, da Saúde, dos Negócios Estrangeiros, do Interior, da Defesa e das Finanças devem ser geridos politicamente com cautela, dar sinais positivos de democratização das instituições do Estado e de uma sociedade democrática.

“O senhor primeiro-ministro Geraldo Martins não vai gostar de ter no seu governo um ministro do Interior que vai estar a dar orientações para lançar gás lacrimogénio contra os cidadãos, a reprimir com tudo e todos, a amedrontar a população. O próprio Geraldo e o seu partido foram vítimas de gás lacrimogénio do então ministério do Interior, mas que hoje por ironia do destino estão juntos na coligação”, alertou.

Relativamente ao ministério dos Negócios Estrangeiros, Tamilton Teixeira enfatizou que o que permitiu a existência técnica da Guiné-Bissau como Estado foi uma diplomacia responsável, não agressiva que “é uma coisa muito estranha”. Aliás, o responsável Amílcar Cabral soube dialogar no mundo polarizado, fazer pontes, engendrar agendas e políticas.

Segundo o analista político, Amílcar Cabral fez uma média de 30 a 40 viagens à ONU, a defender a política diplomática, a ideia do Estado guineense, a independência da Guiné-Bissau.

Defendeu que o ministério dos Negócios Estrangeiros precisa de uma inspiração que não precisa ir buscar em nenhum outro lugar e tem que encontrar essa inspiração em Amílcar Cabral, recordar de todo o percurso diplomático que ele teve e inspirar-se no seu modelo, estilo de fazer a diplomacia e que outros ministérios têm que seguir também os mesmos princípios, uma governação exemplar, pedagógica e dignificar os cargos públicos.

“Eu já disse isso várias vezes, inclusive já escrevi um artigo para o jornal O Democrata. Um dos principais problemas que este país tem é que houve uma banalização da política e essa banalização levou ao empobrecimento dos cargos públicos. Como é que se nomeia uma pessoa, que levanta muitas suspeitas, para o cargo de ministro sem se precaver se tem ou não as condições para sê-lo? Isto é banalização do cargo público”, precisou, defendendo que é preciso recuperar o Estado e o papel de governação e quem terá que fazê-lo, tem que o fazer com muita pedagogia e exemplos, porque “temos uma sociedade nova a construir, daí que os homens políticos, os governantes, têm que ter responsabilidade de que estão perante uma sociedade que está a crescer, com mais de 62% da população jovem, sendo a maioria com a idade compreendida entre os 18 a 20 anos.

“Quem vai governar não tem apenas o papel de um político, mas também de educador a partir da política, não tem que roubar do Estado, mas sim governar pela positiva”, assinalou e disse que os ministérios considerados determinantes e estratégicos devem ser dirigidos por pessoas com capacidade e competência para fazê-lo, sobretudo pessoas que podem dar respostas aos desafios e às necessidades que o país tem.

Questionado se a Coligação PAI-Terra Ranka estará à altura de dar respostas à crise financeira que grassa a Guiné Bissau, acabar com a fome e garantir que a população tenha acesso a bens essenciais, Tamilton Teixeira alertou que se a governação for para o povo, atenta, estudada com estratégias bem definidas, conter os gastos desnecessários e colocar a população no centro, pode-se conseguir, sim.

“A Guiné-Bissau tem mais de 60% das suas terras aráveis que não estão a ser cultivadas. Chove mais de cinco meses, isso é economia e temos que começar a pensar na chuva como economia. As capacidades agrícola e de criar pequenas indústrias têm que ser trabalhadas e desenvolvidas. Por que não transformar o setor de Bambadinca num celeiro de produção e transformação de batata, de bananas e de ananás? Biombo, por exemplo, na produção de mangas de qualidade e da sua transformação em sumos diversos e por que não transformar várias outras regiões em celeiros de produção de arroz? O país tem muito para transformar para sua população que não é grande. O país não tem muitos recursos, mas os que tem estão acima das necessidades da população, inferior a dois milhões de pessoas”, disse.

Afirmou que é possível e viável, através de pequenas indústrias, criar uma política fiscal organizada e de contenção de gastos desnecessários dos ministros, por exemplo, alertando que o governo de Geraldo Martins deve assumir uma nova postura e ter coragem de chamar os sindicatos à mesa para dialogar, fazer uma governação de proximidade, apresentá-lhes os problemas reais do país, o quadro realístico e económico e financeiro para encontrar soluções conjuntas.

“Temos que inventar a nossa própria fórmula de governação. A Guiné-Bissau é tão peculiar e particular que não precisa copiar nada de ninguém. O que se deve fazer é chamar os parceiros sociais para definir o que pode ser feito a curto e longo prazos, não fazer grandes promessas e fantasias eleitorais, isso minimizará a ideia de desconfiança e alguma falta de compromisso com a classe social”, aconselhou.

Em reação à decisão do governo que, por despacho do ministro da Saúde Pública, suspendeu novas admissões no setor da saúde, o sociólogo disse que o governo do então primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabian, cometeu, ao adotar essa medida, um erro “muito grosseiro”, por o país não ter condições de mandar para casa técnicos de saúde e professores, porque “precisa”.

Disse não acreditar que tenha sido por decisão ou por pressão do Fundo Monetário Internacional que o governo tomou essa decisão.

“O FMI tem a sua própria língua e cabe saber como é que o ex-primeiro-ministro e o seu governo interpretaram as orientações do FMI. Porque se o FMI tiver dito, cortem os gastos desnecessários e nós cortamos na saúde e na educação, isto quer dizer que quem assim fez, fê-lo mediante a sua interpretação. O FMI não chega e diz cortem na educação e na saúde. Nos países especialistas do FMI, essa ideia é inconcebível e sabem que se assim decidirem serão corridos”, afirmou.

Por: Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário