sábado, 1 de julho de 2023

Violência Obstétrica: MULHERES DENUNCIAM CLIMA DE “TERROR E HUMILHAÇÃO” SOFRIDAS DE PARTEIRAS E MÉDICOS


Os atos da violência obstétrica e abusos contra parturientes continuam a persistir nas unidades hospitalares da Guiné-Bissau, ganhando espaço nas discussões sobre a violência contra a mulher nas maternidades públicas e privadas.

Um cenário de terror e de humilhação total, são desta forma que as mulheres abordadas pela nossa reportagem relataram aquilo que consideram abusos sofridos durante o parto nas maternidades de diferentes hospitais, sobretudo do maior estabelecimento hospitalar da Guiné-Bissau, o Hospital NacionalSimão Mendes.

Algumas delas denunciam a omissão de direitos e a falta de sentimento e consideração durante o parto da parte dos técnicos de saúde do serviço da maternidade do Hospital Simão Mendes, onde são submetidas a violência física e verbal à mistura.

Pouco ou nada se debate no país sobre a violência obstétrica, principalmente no setor de saúde pública, o que mostra claramente a falta de conhecimento, por parte das vítimas e profissionais, sobre as práticas obstétricas danosas para as mulheres parturientes. Não há estudos abrangentes sobre o tema, embora as organizações da sociedade civil tenham denunciado a existência dos maus tratos nas maternidades de muitos hospitais nacionais.

Apesar da exposição destes casos, a situação mantém-se inalterada e acumulam-se os relatos de mulheres que dão conta de experiências de abuso e de maus-tratos naquele que deveria ser um dos momentos mais felizes das suas vidas: dar à luz.

GRAVIDAS RELATAM “TERROR E HUMILHAÇÃO” NO PARTO DA PARTE DE PARTEIRAS E MÉDICOS

O Democrata fez uma reportagem, no quadro da segunda edição da “Bolsa de Criação Jornalística” dedicada aos direitos das mulheres e cidadania, sobre a violência obstétrica nos hospitais, particularmente a nível do hospital nacional Simão Mendes, na qual falou com as vítimas que descreveram a situação como “terror e humilhação” vividas da parte dos médicos e das parteiras, que até as vezes lhes insultam no momento do parto.

Uma das vítimas, Sérgia N’rany dos Santos, denunciou ànossa reportagem que perdeu o seu filho em 2020 devido à falha de um sistema de saúde nacional estável que desse resposta às necessidades básicas da população.

N’rany dos Santos relatou ainda os negócios ilícitos dos profissionais de saúde pública durante o processo do parto nas maternidades e a falta de atendimento adequado no hospital nacional Simão Mendes, principal unidade hospitalar da Guiné-Bissau.

“Esses são os principais constrangimentos que as mulheres passam nas maternidades, porque o que acontece revela que estes profissionais estão a fazer negócios com as vidas das pessoas, com o parto das mulheres e fazem negócios quando o parto dá errado com a sua família pelos materiais de tratamentos, embora existam materiais que as mulheres grávidas não deveriam comprar, mas simplesmente acabam por fazer negócios”, disse.

“Existem médicos na maternidade que comportam muito mal, mas o sistema de saúde, no geral, não está em ótimascondições. Eu perdi o meu filho devido à falha de um sistema de saúde consistente. Imagina que uma jovem de 22 anos, na sua primeira gravidez, perde o seu filho pela forma que foi tratada pelos técnicos! É uma situação que não pode acontecer”, relatou N’rany dos Santos.

Segundo explicação de Santos, perdeu o filho devido a umasérie de falhas dos profissionais de saúde da maternidade, que resultaram na perda de muito sangue durante o internamento. Além das falhas médicas, N’rany dos Santos sofreu discriminação de um enfermeiro no processo da retirada do feto.

Agora licenciada em Comunicação e Marketing pelaUniversidade Colinas de Boé e com mazelas e trauma, N’ranydos Santos revelou que após a perda do seu filho, os seus pais chegaram a ponderar entrar com uma ação judicial contra hospital público, mas acabaram por desistir.

Perante este cenário vivido em janeiro e fevereiro de 2020, a jovem profissional da comunicação social pediu às autoridades judiciais a darem atenção a casos de violênciaobstétrica que acontecem nas diferentes unidades hospitalares a nível nacional.

“A justiça deve abrir as suas portas às pessoas que querem denunciar as falhas em qualquer sistema do país, incluindo o sistema de saúde pública, com vista a responder prontamente às demandas”, acrescentou.

Oficialmente não se sabe da existência de uma associação ou organização que luta contra esta prática na Guiné-Bissau, mas várias organizações da sociedade civil e as mulheres relatam frequentemente casos de maus-tratos, supostamente protagonizados por profissionais da saúde, em vários hospitais nacionais.

As organizações da sociedade civil ainda exigem investigação e responsabilização dos infratores.

Confrontado com a situação, a coordenadora da organização feminina MIGUILAN, Isabel Almeida, lamentou a realidade das mulheres e acusou o executivo de falta de sensibilidade e vontade para estancar a violência obstétrica nas unidades hospitalares da Guiné-Bissau.

“Em primeiro lugar, apenas tenho que lamentar a forma que as mulheres são tratadas regularmente nos hospitais. Uma situação que começa desde o acolhimento do paciente, falta de informação, tanto escrita, como verbal, às vezes as mulheres não têm acesso aos horários fixados nas vitrinas para a solução dos serviços, uma situação que leva as mulheres a terem respostas em tom agressivo”, explicou, salientando que tudo isso é falta de sensibilidade e vontade do governo em dar atenção a esta prática maldosa contra asparturientes ao longo dos anos.

Embora tenha realçado os esforços dos parceiros internacionais, nomeadamente da União Europeia (UE) e a Sistema das Nações Unidas (ONU), que têm ajudado a Guiné-Bissau a melhorar o seu quadro do sistema de saúde pública, Almeida lamentou a falta do engajamento das autoridades em dar seguimento dos projetos para melhorar comportamentos dos profissionais de saúde pública.

Igualmente a secretária Executiva da ONG não-governamental ALTERNAG, que trabalhou no Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), na área de saúde reprodutiva dos adolescentes e jovens durante 11 anos, lembrou que na Função Pública da Guiné-Bissau, incluindo o setor de saúde pública, não existe a prestação de serviço, mas sim, a prestação dos favores aos pacientes.

“O período da gravidez é um momento muito delicado, do ponto de vista psicológico, afetivo e biológico. Não se sabe a hora para que se esteja perante uma gravidade e o grau de urgência que pode ter no serviço de atendimento, e simplesmente o profissional de saúde não leva em conta as necessidades da gravidade, em primeiro lugar, em detrimento do comunismo e conforto no seu trabalho, exercitando autoridade e prepotência”, acrescentou.

Almeida fala ainda da ausência das normas que regulamentam o comportamento dos profissionais de saúde pública como: regras, ações disciplinares, controlo e acompanhamento contra a violência e tratamento degradante a que as mulheres são submetidas no pré e pós-parto nos hospitais.

Lembrou que a violência obstétrica atinge diretamente as mulheres e pode ocorrer durante a gestação, parto e pós-parto.

“É o desrespeito à mulher, à sua autonomia, ao seu corpo e aos seus processos reprodutivos, podendo manifestar-se por meio de violência verbal, física ou sexual e pela adoção de intervenções e procedimentos desnecessários ou sem evidências científicas. Afeta negativamente a qualidade de vida das mulheres, ocasionando abalos emocionais, traumas, depressão, entre outros problemas”, insistiu.

Ouvido pelo Democrata, o sociólogo Ivanildo Paulo Bodjamafirmou que na Guiné-Bissau foi criada uma fórmula sobre oacesso ao serviço como se fosse um favor e levou os servidores guineenses a perderem o básico de servilismo que garante a qualidade e respeito a qualquer indivíduo que procure um serviço público nacional.

Segundo as explicações de Ivanildo Paulo Bodjam, a Guiné-Bissau depara-se com a falta do controlo da qualidade de serviço, que está associado à componente da formação dos seus recursos humanos.

“Sobretudo a área da saúde está sempre regulada com o código ético dos médicos e paramédicos, onde a prevalência da ética do cuidado, em vez da ética de cura são ABC. Porisso os profissionais de saúde devem compreender que estar a frente de um paciente é fundamental ter paciência, integridade e confidencialidade, o que significa tratar o paciente de forma adequada”, disse.

Paulo Bodjam, que foi funcionário do antigo Gabinete Integrado das Nações Unidas para Consolidação da Paz no país, revelou que existem vários centros de formação de saúde na Guiné-Bissau que estão a funcionar sem uma situação regularizada pela entidade competente.

“Técnicos formados nestes centros são pessoas sem a mínima noção dos trabalhos que têm feito e veem no setor de saúde a alternativa para as suas vidas profissionais. Se tivermos problemas nestas avaliações curriculares e credenciarmos os centros de formação, vamos ter pessoas a saírem para servir nas entidades públicas com estes tipos de tendências e comportamentos”, explicou lembrando que esta situação é uma situação estrutural”.

O jovem sociólogo lembrou que os médicos devem ser formados como ser íntegro, o que significa ter uma parte humana e outra clínica, porque “foi aprovado do ponto de vista científico que não se pode dissociar o tratamento biológico, filosófico e convicção religiosa da pessoa”.

“As pessoas são educadas na Guiné-Bissau como profissionais de saúde para ter em conta os aspetos clínicos, uma vez que cuidar da pessoa é muito mais do que cuidar clinicamente, ou seja, só existe uma tentativa de recuperação clínica que nunca o médico teve certeza. O mais importante na recuperação de uma pessoa é a dimensão psicológica”, vincou Bodjam.

A reportagem do Democrata tentou obter a reação junto da Direção do Hospital Simão Mendes, incluindo a Direção da Maternidade, mas sem sucesso. Contudo, um jovem quadro daquela instituição hospitalar, que pediu anonimato, aceitou abordar o assunto da violência obstétrica na maternidade da principal unidade hospitalar do país.

O jovem confirmou às irregularidades na conduta dos profissionais de saúde, principalmente as cobranças ilegais demedicamentos gratuitos pelas parteiras durante o processo do parto.

Segundo explicações deste enfermeiro, além dos palavrões contra parturientes no momento em que a criança sai do estado do feto, cada parteira diariamente consegue arrecadar quase 50 mil francos CFA das cobranças ilícitas feitas às mulheres grávidas em trabalho de parto.

“Existe um grupo de parteiras com idade avançada no hospital Simão Mendes, que está permanentemente na sala do parto, fazendo cobranças de equipamentos disponibilizados pela AIDA, a instituição que dá assistência à unidade hospitalar, como luvas de observação, soro e os cateteres venosos, mas vários profissionais já foram apanhados a fazer essas cobranças ilegais e foram-lhes instaurados processos disciplinares junto da Direção do Hospital Simão Mendes”, explicou, salientando que no momento da expulsão do feto nem sempre foi satisfatório, porque, o que acontece é a contração uterina dolorosa que sempre deixa as mulheres inconscientes e instáveis, logo começam a receber palavrões das técnicas.

“O atual Diretor do Serviço da Maternidade de Simão Mendes está a fazer um trabalho junto dos jovens quadros colocados na sua direção no sentido de identificarem os responsáveis que praticam estas cobranças ilegais, uma vez que diariamente as parteiras conseguem arrecadar perto de 50.000 francos CFA de tais cobranças ilícitas, porque a maternidade recebe quase 50 mulheres por dia “, disse.

Em relação ao processo do atendimento às mulheres grávidas, o jovem médico reconheceu que tem vindo a melhorar-se bastante, graças à integração no sistema de jovens recém-formados na área de saúde pública.

O objetivo deste trabalho visa simplesmente compreender as violências obstétricas perpetradas contra as mulheres nos hospitais da Guiné-Bissau, de modo a divulgar a realidade do fenómeno e sensibilizar os cidadãos a terem a cultura de fazer denúncias destes casos, dar a conhecer a realidade sofrida pelas mulheres durante a gestação e o parto nos hospitais nacionais.

As organizações da sociedade civil guineenses prometem lutar até que se ponha fim aos abusos praticados nas maternidades do país.

Em 2016, o Fundo das Nações Unidas para a População em parceria com executivo, capacitaram mais de 40 novas tutoras em obstetrícia no quadro da iniciativa H4+Sida, com o objetivo de reforçar as capacidades das parteiras para prestarem cuidados de melhor qualidade às mulheres grávidas e ajudar na formação das futuras parteiras do país. A meta é reduzir os índices de mortalidade materna infantil na Guiné-Bissau.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 830 mulheres morrem todos os dias por causas evitáveis, relacionadas à gravidez e ao parto. Esse número serve como alerta à gravidade do problema da violência e reforça a necessidade de discussões sobre o parto humanizado.

Por: Alison Cabral
Foto: AC
Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário