quarta-feira, 5 de julho de 2023

A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de fevereiro do ano passado, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

 

O secretário-executivo do Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência (OGDT), Abílio Aleluia Có Júnior, revelou que o elevado nível da corrupção no seio das autoridades políticas e a nível dos elementos responsáveis das forças da defesa e segurança ajudaram os traficantes a introduzir a droga na Guiné-Bissau. 

O ativista afirmou de “boca cheia” que a Guiné-Bissau não é um país do tráfico de droga, mas que é usada como trampolim pelos traficantes em cumplicidades com as autoridades políticas, militares e seguranças para chegar ao mercado europeu.

“A Guiné-Bissau não é um país produtor de cocaína, apenas é usada como trânsito para chegar a outros destinos. A corrupção e a cumplicidade das nossas autoridades políticas e o envolvimento das forças de defesa e segurança no tráfico de drogas tem ajudado e facilitado os traficantes a usar a Guiné-Bissau e os países da costa ocidental como países de trânsito da droga para a Europa e a comunidade internacional tem-se aproveitado dessa situação para beliscar a imagem da Guiné-Bissau e apelidá-la de narcoestado”, disse.  

Abílio Aleluia Có Júnior fez essas revelações em entrevista exclusiva ao jornal O Democrata, por ocasião da celebração do mundial de luta contra droga, assinalado a 26 de junho, na qual abordou, entre outros assuntos, a situação do consumo da droga na Guiné-Bissau, os tipos de drogas e formas adequadas de tratamento das pessoas dependentes de drogas.

“O Estado da Guiné-Bissau não vende droga, mas sim figuras de Estado. Depois da operação Navarra, todo mundo aplaudiu a Guiné-Bissau, mas uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça ilibou os dois principais cabecilhas, que haviam sido condenados pelo tribunal, de todas as acusações e devolveu-lhes todos os materiais apreendidos na operação. Comportamentos ignóbeis como esse leva com que a comunidade internacional apelide a Guiné-Bissau de narcoestado, porque há falta de seriedade nessa luta e essa cumplicidade de altas figuras de Estado acaba por denegrir a imagem do país”, criticou, afirmando que quem deveria ter controlado a entrada da droga facilitou tudo, colocando em risco todos os esforços nacionais, a vida de juízes e dos agentes da Polícia Judiciária.

“SUCESSIVOS GOVERNOS TÊM PRIORIZADO MAIS O COMBATE DO QUE CONSUMO DE DROGA”

O secretário executivo do Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência (OGDT) afirmou que o consumo da droga está a aumentar na Guiné-Bissau, devido à falta de estratégias, medidas, políticas públicas corretivas, porque “os sucessivos governos têm priorizado mais o combate do que o consumo de droga”.

Para Abílio Aleluia Có Júnior, essa situação tem enfraquecido imenso o combate e a prevenção ao consumo da droga no país e negou que haja consumo frequente de cocaína na Guiné-Bissau, porque apenas é usada como um trampolim ou placa giratória da droga que sai da América Latina para outras paragens, não um país de consumo.

“Apenas uma pequena quantidade é usada no país e transformada em Crack. A cocaína não é consumida na Guiné-Bissau com frequência, porque a maior parte dos consumidores guineenses não tem poder de compra. Apenas estrangeiros transformam a cocaína em “Quiza” para vender. Custa barato. Não há consumo de cocaína em larga escala, moderado sim”, insistiu.

Abílio Aleluia Có Júnior afirmou que liamba, craque, blota e md são tipos de drogas mais usadas pela juventude guineense, mas craque e a liamba são maiores responsáveis pelos problemas sociais e que têm criado problemas de saúde mental aos jovens, porque “há uso abusivo e excessivo dessas duas substâncias na camada juvenil”.

“Craque, por exemplo, não tem nenhuma ligação saudável com a saúde, por isso é chamada de pedra da morte. É um tipo de droga que tem criado problemas mentais aos jovens que hoje temos nos principais centros urbanos a andar de um lado para outro, nos centros mentais e em alguns centros de recuperação de toxicodependentes “, disse.

Revelou que o país não dispõe de um banco de dados nacional que possa espelhar uma estatística real do número exato de consumidores de droga na Guiné-Bissau e disse que é “um dilema”, o fato de a Guiné-Bissau não ter conseguido criar um mecanismo capaz de espelhar esses fatos.

Para evitar que os dados continuem dispersos a nível das diferentes organizações que intervêm nesta matéria, sugeriu que seja feito um estudo de prevalência, estudo CAPS- de Conhecimento, Atitude e Prática, em todas as regiões e no Setor Autónomo Bissau, para permitir que o país tenha um panorama geral da situação de consumo de droga em todo o território nacional e, consequentemente, descobrir os tipos de drogas que consomem e os fatores que os levam a consumir drogas.

O secretário-executivo do Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência realçou que a partir desse estudo  é que se poderá realizar outros, nomeadamente sócio-comportamental e bio-comportamental, este último pode ajudar a descobrir quantas pessoas, no universo de consumidores identificados no país a partir do estudo, têm doenças  o VIH/SIDA, a Hepatite B e C e a Tuberculose, porque ” os consumidores de droga são vulneráveis a vários tipos de doenças, sobretudo os que usam drogas injetáveis”.

“DROGAS INJETÁVEIS PODEM SER LETAIS À SOCIEDADE NUM PAÍS COM UM SISTEMA DE SAÚDE DOENTIO”

Abílio Aleluia Có Júnior alertou, contudo, que embora o uso de drogas injetáveis não seja ainda da realidade guineense, podem ser letais à sociedade, porque o país tem um sistema de saúde doentio que nem se quer consegue dar respostas à situação de paludismo que” é endêmico no país e pode agravar a situação de VIH/SIDA”.

“O estudo do INASA realizado em 2010 apontava que a nível da nossa sub-região a Guiné-Bissau tinha um índice de prevalência de VIH/SIDA de 3,3%. Nessa situação, quando começamos a ter uma sociedade onde a juventude começa a usar drogas injetáveis, podemos ter uma juventude de alto risco, o que poderá contribuir na proliferação de um número maior de VIH/SIDA, Hepatite no B e C e da Tuberculose no país “, afirmou.  

Alertou que mesmo no combate ao narcotráfico, uma das prioridades dos sucessivos governos tem sido criar meios, capacitar os recursos humanos e investir nas novas tecnologias, para poder estar dois passos à frente dos traficantes e trabalhar seriamente para ter uma justiça forte e célere.

“Não é dúvida para ninguém que  os traficantes investem muito em meios com o dinheiro ilícito que ganham da venda da droga, para poder estar sempre um passo ou mais a frente das entidades que os combatem. A nossa luta diária é criar um banco de dados a nível nacional.   Já elaboramos um projeto, apenas estamos à espera dos parceiros para financiá-lo. O banco de dados que queremos criar, vai funcionar em tempo real e todos os dados recolhidos diariamente numa ficha serão enviados para a central em Bissau, através de um dispositivo e permitirá ter informações do número de consumidores por regiões, a nível nacional, dos tipos de drogas consumidas e por faixas etárias”, detalhou.

Nos últimos tempos tem havido denúncias de maus tratos em alguns   centros de desintoxicação contra os toxicodependentes que, segundo as informações, são acorrentados aos troncos de árvores ou contra camas, uma situação que tem sido denunciada e criticada pelos familiares de dependentes de droga e pela sociedade guineense.   

Confrontado com essa situação e questionado sobre o melhor método que se deve utilizar para lidar com toxicodependentes, o secretário-executivo OGDT disse que acorrentar uma pessoa a uma árvore ou contra uma cama num centro de desintoxicação é uma “violação gritante” dos direitos humanos  e é desumano, porque “um dependente de droga deve ser visto e tratado como um doente que tem um comportamento desviante e que precisa de apoio, não de punição”.

“Um dependente de droga tem de ser tratado no meio familiar e nos centros de desintoxicação com carinho, amor e como um doente que precisa de tratamento médico, não como um criminoso. Temos que conciliar o tratamento clínico e emocional, ou seja, fazê-lo ganhar a sua autoestima para que possa reconhecer e aceitar que está doente e que precisa de tratamento. Um centro de desintoxicação, independentemente do consultório médico, deve ter um salão de filme, uma minibiblioteca e de quando em vez promover terapias coletivas e individuais”, disse, para de seguida defender que é preciso investir na sensibilização, nas políticas públicas, na terapia educacional, envolvendo instituições do ensino, por serem meios onde se pode construir a massa crítica pensante de uma sociedade.

Abílio Aleluia Có Júnior reconheceu que não é fácil lidar com usuários de drogas, sobretudo os que chegam aos centros em fase crítica, mas aconselhou que sejam utilizados sempre métodos clínicos, injeção intravenosa, por exemplo, para baixar as perturbações ou agitações.

“Um centro de desintoxicação deve ter um psicólogo, um assistente social e um psiquiatra. Essas pessoas sabem como lidar com situações como essas, de pessoas com perturbações mentais, não usar métodos coercivos. As imagens do centro de Quinhamel divulgadas pela France 24 que circulam nas redes sociais é grave e lamentável e quero acreditar que também não ajudou na boa imagem do centro. As imagens que vimos levam-nos ao século XIV de como as pessoas eram tratadas em manicômios no sanatório, quando padeciam de doenças incuráveis ou crónicas”, criticou, lembrando que pessoas dependentes podem ser resgatadas e serem úteis quando inseridas na sociedade.

Por: Filomeno Sambú  

Conosaba/odemocratagb

       

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