A igreja de Nossa Senhora do Rosário, arredores de Maputo, foi pequena para receber esta manhã milhares de pessoas, incluindo centenas de advogados, no funeral de Elvino Dias, assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane, Maputo 23 de Outubro de 2024. © LUSA Luísa Nhantumbo
Milhares de pessoas participaram esta quarta-feira, 23 de Outubro, no funeral de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane. O director executivo do Centro para a Democracia e Direitos Humanos de Moçambique, Adriano Nuvunga, esteve presente nas exéquias, e diz ter visto uma população enlutada mas, simultaneamente, com vontade de lutar pela justiça e pelos direitos humanos. O activista lembra, ainda, que a repressão policial intensificou o medo entre os moçambicanos.
RFI: Em que estado de espírito se encontra e em que estado de espírito se encontram os moçambicanos relativamente a estes dois assassínios, às duas mortes que resultaram da repressão das autoridades. Na segunda-feira, a polícia recorreu à força com disparos de tiros, usou de gás lacrimogéneo contra Venâncio Mondlane, jornalistas e manifestantes?
Adriano Nuvunga: Hoje, no velório e nas exéquias fúnebres, vi o misto de sentimento das pessoas presentes. Por um lado, as pessoas continuam a chorar este assassínio bárbaro e barulho macabro de Elvino Dias e de Paulo Guambe. O estado de choque nas pessoas ainda está presente. Lembra-se que há cinco anos atrás se matou da mesma forma Anastácio Matável. As pessoas estão ainda em estado de choque, mas ao mesmo tempo as pessoas estão a dizer: já choramos este lutador que tombou nas mãos das forças do mal. É preciso honrá-lo, continuar a sua obra e legado, juntando-se para lutar por justiça. Na verdade, fazendo da luta do Elvino a sua luta. A luta pela defesa do povo, a luta pela justiça no geral e justiça eleitoral em particular, que é o meio através do qual a vontade do povo se expressa. Foi este o sentimento e o estado de espírito que eu vi hoje nas exéquias fúnebres.
RFI: Venâncio Mondlane encontra-se em parte incerta. Recaem sobre ele e sobre membros do partido Podemos ordens para o abaterem. Num clima tão tenso, todos temem pela segurança. Há receio e um medo generalizado em Moçambique?
Há medo generalizado em Moçambique: de quem será a próxima vítima? Quem será o próximo sangue a ser derramado, particularmente num contexto em que o sentimento é o de que este é um crime do Estado contra cidadãos. É um crime do Estado contra activistas, contra defensores da democracia e dos direitos humanos. São armas de guerra que estão a matar activistas, estão a matar advogados.
O regime da Frelimo perdeu a face com críticas internas e externas relativamente a irregularidades que teriam sido cometidas aquando das eleições gerais de 9 de Outubro.
Não creio que sejam mais irregularidades. Esse tema não se aplica mais para a situação em Moçambique. Essas eleições são uma charada. São eleições sem credibilidade, eleições que não são o meio através do qual o povo pode falar e as instituições de Moçambique não permitem o respeito pela vontade popular. Por isso não se pode falar em irregularidades. Mas, claro, este regime, que já está ao que se vê a passar para o uso da força, há suspeitas de serem esquadrões de morte ligado ao regime, mas sobretudo na segunda-feira viu-se um regime que saiu a atacar cidadãos indefesos, inclusivamente atacar jornalistas quando estavam a entrevistar o Venâncio Mondlane. Este é um regime que já está a denunciar que não tem mais nada a dar ao povo, que é um regime que já está se a manter pelos meios autoritários e repressivos. Portanto, é um regime que, democraticamente falando, pode-se dizer não ter mais rosto para sair em público.
Chegam-nos imagens e informações de que a capital, Maputo, vive nos últimos dias sob um forte dispositivo policial nas ruas. A Comissão Nacional Eleitoral disse, ontem, que vai declarar os resultados oficiais amanhã, quinta-feira, no dia em que o candidato do Podemos apelou a uma paralisação total no país para amanhã e sexta-feira. Venâncio Mondlane apela a um roteiro revolucionário. A seu ver, existe um receio quanto a um escalar de violência em Moçambique?
As condições todas estão lá para isso. A repressão a que já me referi, as armas que são para defender o povo, estão a ser usadas para atacar o povo. Quando isso acontece, num quadro onde a juventude, que é cada vez mais o maior segmento populacional, está num quadro de falta de esperança pelo seu futuro. Por causa da corrupção, por causa do crime organizado e por causa da acção dos esquadrões da morte, e particularmente, quando a sua vontade, que devia ser expressa pelas urnas, é desrespeitada. As condições estão criadas para que isso aconteça.
A Igreja Católica diz que caucionar uma mentira é sinónimo de fraude. Como é que comenta esta postura por parte da Igreja Católica moçambicana?
Penso que é um pronunciamento sábio porque o que a Comissão está a querer dizer. É preciso lembrar que a Comissão Episcopal observou as às eleições através da Igreja Católica, então tem informação bastante substantiva para dizer que se está a negar a verdade eleitoral e negar a verdade eleitoral e cometer injustiça contra o povo. Creio que neste momento, e como em todos os outros contextos de instabilidade, a verdade é que mais sofre. É isto que está a querer dizer à Igreja Católica.
Filipe Nyusi está a ter uma saída atrapalhada e manchada por este processo eleitoral, com mortos a lamentar, sabendo que se receia que não haja no futuro avanços na Justiça para apurar quem foram os autores destes assassínios?
Esse é um déjà vu, não é? Foi sempre assim. São muitos assassínios, alguns deles que marcaram a entrada de Nyusi no poder, que até hoje não foram esclarecidos, foram arquivados. A luta popular é no sentido de haver um esclarecimento muito rápido, célere, antes até de saírem do poder. Porque, como sempre, quanto mais demora depois aparece uma crise atrás da outra e não se esclarece. A luta é isso, mas não surpreenderia se não houvesse um esclarecimento porque esse é o instrumento através do qual esse tipo de crimes se acobertam e que são parte da manutenção do regime da Frelimo no poder.
O que é que se espera para amanhã, Adriano Nuvunga?
O que se espera para amanhã é que a Comissão Nacional de Eleições, que é uma vergonha nacional. A CNE é uma vergonha nacional, vai chancelar esta vitória fraudulenta que desrespeita a vontade popular. Mas espera-se um ambiente de um Estado polícia que vai estar presente nos bairros a ameaçar as pessoas para não saírem à rua. Portanto, as pessoas vão ser contidas pela força policial, mas nunca vimos isso durar para sempre em nenhuma parte do mundo.
Portanto, os moçambicanos vão ser amanhã persuadidos a ficarem calados e em casa e não reagir à proclamação destes resultados oficiais. É o que está a dizer?
Não vão ser persuadidos, vão ser ameaçadas. É isso que a polícia vai fazer: ameaçar as pessoas para não saírem. Quando a polícia sai para a rua com cães, com armas de guerra e usa até meios que nunca vimos. Usou na segunda-feira, helicóptero - Eu nunca tinha visto um helicóptero da polícia. Temos aqui em Moçambique e raptos, temos o conflito em Cabo Delgado e nunca vi a polícia exibir um helicóptero. Vi também snipers em cima dos prédios. Não sabia que Moçambique havia snipers. Estes são instrumentos de repressão, de ameaça à população e não de persuasão.
Por: Lígia ANJOS
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