quarta-feira, 8 de maio de 2024

Na minha antiga rua, em Bissau, havia um poilão -- uma árvore de grande porte.

 

Para assinalares alguém que lhe pretendesse visitar, dizias apenas "venha até ao pé do poilão... quando passares o poilão... frente à frente ao poilão... ao lado, atrás, ao pé, etc." O poilão era a nossa maior referência, o principal guia para os andantes, o nosso GPS.

Para o dono da propriedade onde se situava o poilão, esta árvore dava a sombra, a frescura, a grandiosidade, o mistério. E, (in)felizmente, o poilão atraía também muitas aves e, com elas o barulho e a sujeira (do pupo) e das folhas.
Mas, o poilão, àquela árvore gigante não tinha um rival -- polon, polon, polon...
Alguns anos atrás, fui visitar uns velhos amigos e familiares nesse meu Bairro de Rossio, na fronteira entre a Santa Luzia, o QG, o Cupelão de Baixo (Pilum) e o Banculêm. Tive enormes dificuldades em localizar a casa. Os becos, as varandas, os murros e as pinturas não me serviram bem. E as novas sucatas complicaram ainda mais. Estava tudo diferente!
Finalmente, o Mamadú tinha que sair para a rua e dar-se ao encontro. "Kê, bu diskissi casa"? Perguntou ele. De facto, não tinha reconhecido a casa e nem a rua. Algo está diferente!
Mas, onde está o poilão?! Não tínhamos um poilão aí?
O poilão, àquele lindo, alto e misterioso polon já não estava. Envelhecido e apodrecido, o poilão se tornou perigoso para a vizinhança. O poilão que tornava pequenas todas as outras árvores foi-se. Talvez uma parte esteja a flutuar-se, transformada numa canoa e tantas outras partes consumidas pelo chão ou arrastadas pelas águas das chuvas.
O poilão já não estava. A rua estava diferente. Polon cai. Àquela rua do bairro Rossio perdeu o seu principal guia. A sombra foi-se. As aves também. O mistério desapareceu. Polon cai. Troncos apodrecidos e raízes atrofiadas. Perdemos uma marca, um símbolo.
Ou talvez esteja a navegar num dos mares ou rios da nossa Guiné-Bissau -- uma canoa pintada ou desfigurada. Talvez esteja nos solos ao redor, transformado em terra firme. Talvez tivesse sido transformado nuns bombolons que hoje fazem circular os sons de boas e más "nobas". Possibilidades ou apenas sonhos.
Mas, esse poilão do meu bairro fez-me lembrar que na vida nada é eterno. Até os poilões desaparecem e levam consigo as suas grandezas, as suas sombras, as suas aves, os seus mistérios, as suas sujeiras e os seus perigos.
E, às vezes, deixam saudades. Às vezes deixam alívios. Polon, polon, polon numa terra com o chão a recompor-se... lentamente.
--Umaro Djau
7 de Maio de 2024

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