quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Agressão de duas jornalistas em Bissau "é tentativa de impedir que exerçam a sua actividade"

As duas profissionais de comunicação social foram agredidas quando estavam a fazer a cobertura de uma manifestação diante do Ministério da Educação em Bissau, a 31 de Julho de 2024. © AFP

Duas jornalistas respectivamente da Rádio Popular e da Rádio Capital foram agredidas ontem, quarta-feira, pelas forças da ordem quando estavam a cobrir uma manifestação diante do Ministério da Educação, em Bissau, tendo em seguida sido transferidas para unidades hospitalares da capital. Perante esta situação, foram numerosas as notas de repúdio, nomeadamente do Sindicato dos Jornalistas da Guiné-Bissau, mas igualmente de Cabo Verde.

No próprio dia da agressão, o Sinjotecs, Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social da Guiné-Bissau expressou o seu "repúdio" pelo sucedido e apelou ao boicote de todas as actividades do Presidente da República, nomeadamente o encontro que ele agendou com os jornalistas no Palácio da República no próximo dia 5 de Agosto. Este apelo surge cerca de duas semanas depois de esta entidade ter lançado um primeiro apelo neste mesmo sentido, depois de o Chefe de Estado insultar um jornalista que lhe colocava uma pergunta.

Igualmente indignada, a AJOC, organização que congrega os jornalistas de Cabo Verde, também condenou o sucedido e considerou que "estas acções representam uma grave violação à liberdade de imprensa e ao direito à informação, princípios fundamentais em qualquer democracia" e exigiu "uma investigação rigorosa e e a responsabilização dos envolvidos, além de garantias de protecção para todos os profissionais de imprensa no exercício das suas funções".

Igual apelo fez a Liga Guineense dos Direitos Humanos também exigiu o "fim das estratégias de confrontação e de diabolização da imprensa independente". Palavras reiteradas em entrevista com a RFI, por Bubacar Turé, Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.

RFI: Que informações tem do que aconteceu?

Bubacar Turé: Pelas informações de que nós dispomos, as jornalistas estavam a cobrir uma manifestação e apareceram as forças policiais a tentar a reprimir este evento e em consequência disso, as jornalistas foram agredidas e tentaram atropelar um outro. No fundo, é uma tentativa de impedir os jornalistas de exercerem as suas actividades profissionais.

RFI: Há notícias das duas profissionais que foram agredidas?

Bubacar Turé: Tiveram assistência médica e medicamentosa, estão a recuperar e, portanto, é isso a informação que nós temos até este momento.

RFI: Pensa que isto foi propositado? A polícia recebeu instruções para agredir essas jornalistas?

Bubacar Turé: Eu não sei. Eu não posso dizer isso, mas a única certeza que eu tenho é que tudo isso se insere no quadro de uma estratégia de diabolização, de intimidação dos profissionais da comunicação social, sobretudo do jornalismo independente. Tem ocorrido vários episódios nesse sentido, protagonizados por parte das autoridades políticas do país, declarações incendiárias para tentar criar um ambiente de hostilização contra jornalistas. Tudo isso encoraja e incentiva este tipo de comportamentos das forças de segurança.

RFI: Isto acontece cerca de duas semanas depois de ter havido um incidente que foi denunciado pelo Sindicato dos Jornalistas, em que um jornalista colocou uma pergunta ao Presidente da República que lhe respondeu com insultos. Isto fez com que houvesse um apelo ao boicote das actividades do Presidente da República. Julga que isto vem na continuidade deste incidente?

Bubacar Turé: Não só na continuidade deste incidente, mas vários outros. Nós tivemos vários outros incidentes em que os jornalistas foram ameaçados. Alguns jornalistas foram impedidos de ter acesso ao Palácio da República para efeitos de reportagem, só pelo facto de terem colocado algumas questões incómodas ao poder actual na Guiné-Bissau. Portanto, esta estratégia do poder de diabolizar a imprensa independente, de tentar condicionar a linha editorial dos órgãos de comunicação social, infelizmente, o que aconteceu ontem é a concretização e mais um episódio no quadro desta estratégia.

RFI: Isto acontece também numa altura em que o Presidente da República acaba de colocar um convite aos jornalistas a marcou uma tertúlia com os profissionais da comunicação social prevista para a próxima segunda-feira, em que refere que pretende responder a todas as perguntas que lhe forem colocadas pelos jornalistas. Qual é a sua reacção relativamente a esta iniciativa?

Bubacar Turé: Isso é normal, qualquer poder político pretender esclarecer melhor ao povo sobre várias questões de governação e também as acusações da oposição política ao Governo. Portanto, isso é perfeitamente normal. O que não é normal é condicionar a agenda dos jornalistas e querer que os jornalistas cumpram aquilo que são as agendas políticas do poder.

RFI: Está prevista uma nova manifestação da sociedade civil que integra, nomeadamente a Plataforma Frente Popular, neste fim-de-semana. Não receiam que isto venha a descambar, como já aconteceu no passado?

Bubacar Turé: Nós esperamos que não descambe e nós esperamos que o poder político, desta vez, vá assumir as suas responsabilidades, as forças de segurança, criar condições para o exercício da liberdade de manifestação. Porque nós sabemos que o governo, de forma arbitrária e inconstitucional, suspendeu a liberdade de manifestação no dia 15 de Janeiro deste ano. Mas mesmo com esta medida, nós assistimos a várias manifestações, vários eventos, reuniões, comícios organizados por pessoas apoiantes do governo. Por isso, para além de ser um acto ilegal e inconstitucional, já está a ser um acto discriminatório. Só manifestam as pessoas que defendem as mesmas ideias, os mesmos projectos do poder. Ora, isso é inaceitável num Estado de Direito e por isso nós entendemos que, desta vez, a Frente Popular vai mesmo realizar esta manifestação no dia 3 de Agosto, em solidariedade com os trabalhadores, denunciando vários problemas que afectam a Guiné-Bissau. Aliás, a carta sobre esta manifestação, pela primeira vez, já deu entrada no Ministério do Interior. Repare que o Ministério do Interior tem recusado sistematicamente receber cartas de informação sobre as iniciativas de manifestação, mas desta vez a carta deu entrada foi bem recebida. Portanto, nós pensamos que o Governo, em cumprimento das suas obrigações constitucionais, irá criar condições para a realização desta manifestação pacífica.

Por: Liliana Henriques
Conosaba/rfi.fr/pt

Sem comentários:

Enviar um comentário