A nova frente popular venceu as eleições legislativas deste domingo. A coligação de esquerda elegeu 182 deputados. O movimento presidencial juntos pela república elegeu 168 deputados, a União Nacional e aliados conquistam 143 lugares no parlamento. A participação foi de 66,6%. "Estamos numa situação muito complicada, numa tripartição da vida política francesa e vamos viver um momento de experimentação", defende o professor auxiliar na Universidade de Paris-Nanterre, Christophe Araújo.
RFI: Que leitura se pode fazer, venceu a frente republicana ?
Christophe Araújo: É uma leitura um pouco complicado com esta nova configuração que nunca conhecemos durante a V República Francesa. Temos de um lado, uma curta vitória dos partidos de esquerda que se uniram nesta Nova Frente Popular, que é uma criação muito recente. Vemos aqui o sucesso da Frente Republicana que uniu as forças centrais com as forças de esquerda contra a extrema-direita. Mas, ao mesmo tempo temos de considerar e de olhar que as conclusões vão ser complicadas porque há uma parte do centro que não quer governar com a esquerda. A esquerda não quer também governar com o centro, mas vemos muito bem que há uma impossibilidade, porque para encontrar uma maioria absoluta vai ser sempre necessário negociar, que é um hábito pouco francês desde o início da V República, onde havia quase sempre uma maioria absoluta ou então pelo menos um partido com o qual era possível fazer uma forma de coligação. Aqui estamos numa situação muito complicada de uma tripartição da vida política francesa e vai ser um momento de experimentação política da qual ainda não sei muito bem como é que vai resultar este cenário.
Um mês depois da dissolução do Parlamento, o Chefe de Estado está perante uma Assembleia ingovernável?
Se continuarmos na maneira com a qual foi sempre praticada a vida política francesa com maiorias é ingovernável. A única solução seria propor, como já foi o caso na Itália, mas nunca foi o caso em França, creio eu, um governo técnico além dos partidos, para conseguir continuar a vida política sem que haja um bloqueio do lado da Assembleia legislativa. Mas não sei se será algo de muito viável e isto irá daqui um ano, no mínimo, já que não podemos ter novas eleições antes de um ano, novas eleições e de novo uma forma se calhar de incerteza. Não sabemos muito bem como é que vamos conseguir sair desta situação, tirando esta necessária cooperação entre os partidos, quer do centro quer da esquerda, para encontrar uma plataforma de ideias para encontrar uma maneira de governar.
Nenhum partido consegue uma maioria absoluta. Para isso seria necessário eleger 189 deputados. Nenhum partido pode governar sozinho. A nova configuração parlamentar pode criar um risco de 'paralisia' e a Constituição da V República foi feita para que fosse possível governar sem maioria, nomeadamente com artigos como o 49,3?
Sim, é uma situação muito difícil. Estamos muito longe dos 289 deputados. A situação anterior era uma minoria, um governo sem maioria absoluta. Os centristas conseguiram encontrar com muitas dificuldades, uma maneira de negociar, quer com a direita, quer com a esquerda.
Aqui estamos numa situação ainda mais complicada porque o primeiro partido só tem 182, com os outros deputados de esquerda, que são os 12 dá 190 e então faltam quase 100 deputados para conseguir esta maioria absoluta. É impossível encontrar uma maneira de governar sem ter uma negociação entre pelo menos dois partidos dessas grandes coligações que foram criadas; a nova Frente Popular, Renascença, que é o partido centrista, ou então também a extrema-direita. Mas mesmo assim, quer do lado da União Nacional, não há possibilidade, até com os partidos de direita, de encontrar esses 289 deputados. É uma complicação e vai ser algo de mesmo difícil de governar.
O primeiro-ministro entregou a demissão ao Presidente esta manhã. Emmanuel Macron pediu a Gabriel Attal para que fique fica à frente do governo mais um tempo. Isto significa que vai haver um tempo de transição entre o actual governo demissionário e o próximo governo com vista ao calendário dos Jogos Olímpicos, mas também porque as conversações vão ser demoradas, podem ser longas para se chegar a um entendimento?
Temos claro este contexto um pouco internacional, tendo em conta a aproximação muito rápida dos Jogos Olímpicos e a necessidade de haver alguém, pelo menos um governo num país que vai acolher o mundo. Era um previsível que houvesse esta continuidade, pelo menos durante umas semanas ou, digamos, até o início de Setembro.
Agora vai ser também uma maneira de entrarem num processo de negociação, quer do lado também da nova Frente Popular, que apesar de ter chegado em primeiro lugar, não há um nome no qual todos os partidos concordam para apresentar ao Presidente da República, para depois entrar num processo de negociação com as outras forças da qual vai ser necessário, porque é preciso ter uma avaliação da Assembleia Nacional para haver uma confirmação do governo. Se houver uma rejeição dos outros partidos que formam a Assembleia da República, haverá um bloqueio. Vão ser mesmo momentos de negociações tensos, quer do lado da esquerda, quer do lado do centro, para ver o que é que vai ser possível formar como governo. Nesta dinâmica, já estamos a ver que a França Insubmissa, que é uma das principais tendências da nova Frente popular, é um pouco a figura que é muito criticado, quer do lado do centro, quer do lado da extrema-direita, também um pouco no seio da nova Frente Popular. Vai ser necessário encontrar uma figura que é mais do centro para poder abranger um pouco mais deputados, para ter um governo que seja possível.
O Presidente francês ainda não se pronunciou, está à espera de conhecer a nova configuração parlamentar, os deputados têm até dia 18 deste mês para constituir a nova Assembleia. Quem nomeia o primeiro-ministro, segundo a Constituição francesa, é o artigo número 8 é Emmanuel Macron. O Presidente vai chamar a Matignon o líder do partido mais votado? Quais é que são os cenários possíveis?
O cenário mais lógico seria de dar a possibilidade de formar um governo ao partido mais votado, ou seja, à nova Frente Popular para ver se consegue ou não eleger depois, ter uma avaliação de parte da Assembleia Nacional. As várias possibilidades; uma pessoa de direita é quase impossível porque nunca chegaram a um número que seja suficiente. O mais provável um candidato da nova Frente Popular que seja designado e vai ser necessário encontrar uma figura que não seja assim repelente - estou a pensar no caso da França Insubmissa, que foram muito criticadas por causa dos posicionamentos que tiveram durante a legislatura que acabou.
Vai ser um pouco um momento de grande negociação. Não sabemos se será uma figura política ou uma figura da sociedade civil, ou seja, uma figura um pouco fora dos partidos, com uma tendência ou com uma proximidade ideológica da nova Frente Popular -para não ter esta dimensão muito partidária e vai ser, creio eu, necessário encontrar uma figura que crie consenso e que não seja uma figura que vai ser mesmo repelente ou que vai complicar esta negociação que vamos ter de criar em França, que é uma coisa, como já já referenciei, inédita e que vai ser necessário encontrar, senão vamos ver esta paralisia. Há um pouco uma necessidade de encontrar uma figura. Não sei se será a esquerda, se calhar também pode ser no centro uma figura mais do centro-esquerda para tentar um pouco aproximar as pessoas da nova Frente Popular. Mas vai ser muito complicado mesmo. Vai ser muito complicado encontrar este nome para um governo francês.
Houve um nome proposto há dez dias pelo socialista Raphaël Glucksmann, o do antigo dirigente sindicalista, Laurent Berger, como possível primeiro-ministro. Ainda faz sentido hoje?
Pode ser uma figura que seja interessante, no sentido em que não faz parte da vida política, dos partidos políticos. Tem uma tradição de participação sindical mais de centro-esquerda ou mais do centro. Até porque o partido é um sindicato que não é assim muito próximos das tendências mais da esquerda radical. Pode ser um nome que tenha um pouco uma possível capacidade de atracção das pessoas do centro, mas também é uma figura que foi uma proposta do Partido Socialista, mas não vejo assim muito dos outros partidos da esquerda, que pertence a esta nova Frente Popular, aceitarem o nome de uma pessoa da qual temos este marco de uma aceitação da reforma das pensões de 2019. Não é uma figura tão apreciada na esquerda francesa, então não sei se seria um nome mais sensato para um actual governo.
A União Nacional de extrema-direita consegue eleger de quase duas vezes mais deputados. Em 2022, conseguiu 4 milhões de votos, dois anos depois, ontem, votaram 9 milhões de franceses para a União Nacional. Na campanha assistimos à violência e a propósitos racistas, estes comportamentos foram, de alguma forma, legitimados pela União nacional?
Penso que sim. Houve uma forma de legitimação, mas ao mesmo tempo, foram também argumentos e ideias que incentivar as pessoas a reagir e a ir votar contra essas ideias. Porque vimos também que muito dos candidatos da União Nacional não estavam de todo preparados para participar na vida política. Vimos também o passado destes candidatos que tinham tido propósitos racistas, homofóbicas, anti-semitas. Essas figuras contrariaram um pouco esta imagem da União Nacional que se apresenta como um partido que é mais sério, que já não é tão extremo como o foi [no passado]. Ao mesmo tempo, como vemos com esta progressão do voto de extrema-direita que é cada vez mais forte - não podemos esquecer estes dado até porque toda a gente pensava que eles iam ficar na frente. Ficaram aquém do que estávamos a pensar, mas ao mesmo tempo há uma progressão clara. Essas ideias, essa questão do papel da imigração, da questão do racismo assumido e dessas ideias, vemos aqui, é o sinal de uma forma de fragmentação e de dificuldades sociais que podemos observar para essas pessoas que são consegue convencer outras pessoas neste sentido.
Por: Lígia ANJOS
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