No passado dia 18 de Julho de 2022, o jornal online Capital News informou no seu site que Abdurahamane Turé tinha sido expulso da Rádio África FM pelo proprietário da rádio: Umaro Sissoco Embaló, presidente da República da Guiné-Bissau. Abdurahamane era director da rádio, uma verdadeira máquina de desinformação e de manipulação da opinião pública ao serviço do regime liderado pelo seu dono.
A informação rapidamente suscitou um debate público sobre o expulso director, a rádio, o seu proprietário e o papel que todos eles têm jogado num contexto de ataques abertos às liberdades democráticas na Guiné-Bissau, especialmente contra as liberdades de expressão e de imprensa.
Para os que poderiam alimentar alguma dúvida em relação à notícia veiculada pela CNews, no dia 24 de Julho, um áudio da conversa entre Umaro Sissoco Embaló e Abdurahamane Turé a circular nas redes sociais dissipa todas as tentativas de relativizar mais uma clara demonstração de como quem hoje é presidente da Guiné-Bissau lida com a imprensa e qualquer tentativa de expressão pública de opiniões que não lhe agradem.
A questão-chave do conflito entre Sissoco e Abdurahamane é o facto de este ter criticado, em algumas emissões do programa matinal que apresentava nas antenas da África FM, a ausência da imprensa nacional nas mil e uma viagens ao exterior que o autodenominado Único Chefe faz em nome do Estado da Guiné-Bissau. No entender autoritário do Umaro Sissoco, as missões da presidência para fora do país não precisam de incluir jornalistas que representem os vários órgãos de imprensa do país, porque, segundo ele, a presidência tem uma equipa que cuida desse papel de informar sobre as suas deslocações para o exterior do país em diferentes domínios. Abdurahamane Turé invoca o direito de a população ser informada sobre os actos de interesse público, sobretudo os praticados pelas instituições do Estado e seus titulares.
O artigo 4º da Lei da Imprensa (Lei nº 4/91), referente ao “Interesse Público da Imprensa”, não só determina a função de a imprensa informar para “uma opinião pública esclarecida” e “para o aprofundamento da democracia e progresso social”, bem como exige “do Estado assegurar as condições da existência de uma imprensa que assegure a prossecução desses fins”. Portanto, ao invocar este dever do Estado em garantir o direito público de informação, Abdurahamane Turé elimina qualquer margem de empate com Umaro Sissoco, dono da rádio em que era director.
Mas Abdurahamane Turé finge esquecer-se da situação em a que a liberdade de imprensa se encontra na Guiné-Bissau. Aliás, se conhecer a Lei da Imprensa, Turé deve reparar que no seu artigo 3º, imediatamente anterior ao artigo que suporta o seu contraponto ao seu antigo patrão, refere-se à “Liberdade de Imprensa”, que garante a liberdade de difusão aos órgãos e de opinião aos cidadãos, incluindo (sobretudo, digo eu) sobre os “actos dos órgãos do poder do Estado e da administração pública”.
O que é que Abdurahamane Turé tem a dizer sobre as duas vezes que a Rádio Capital FM foi destruída pelas forças ocultas com o beneplácito do regime do seu ex-patrão? Se conhece as regras do jornalismo e de órgãos de imprensa como arroga até com o seu ex-patrão (aqui admito ter-me surpreendido), o que disse o AT quando Fátima Tchumá Camara, Alisson Cabral e tantos outros jornalistas foram pubicamente insultados pelo então candidato à presidência da república e hoje PR? Ou Abdurahamane Turé aceita que seja uma “boca de aluguer”, como Umaro Sissoco apelida aos profissionais de imprensa que não lhe satisfaçam os seus caprichos absolutistas?
Abdurahamane Turé ainda nos dirá o fundo do seu conflito com o seu ex-patrão, que será para os dois, seguramente, mais grave do que a obstrução do direito público à informação, porque desde a criação da África FM por Umaro Sissoco Embaló, o seu papel tem sido tudo menos o de defesa das liberdades de imprensa, muito menos do direito de a população ser informada com credibilidade. Neste particular, esta estação radiofónica tem cumprido a sua missão cabalmente, sob o princípio de “todas as mentiras do proprietário e dos seus serviçais são verdades que não precisam ser escrutinadas e todas as verdades que não convenham ao Único Chefe devem ser transformadas em mentiras, por todos os meios de desinformação à disposição da máquina encabeçada por África FM”.
Umaro Sissoco Embaló sabe da importância da radiodifusão na Guiné-Bissau, um país com a maioria da população vulnerável à desinformação e manipulação de todas as espécies, dado à falta de acesso de ferramentas intelectuais que possibilitam a descodificação de mentiras veiculadas na imprensa e por outros meios. Por isso, criou uma rádio com ampla cobertura nacional e através das redes sociais. Mas como não tem o monopólio de todos os órgãos da imprensa, recorre aos métodos de intimidação pública de jornalistas, destruição dos órgão mais incómodos à sua ditadura e agressão das figuras mais audazes da imprensa nacional não cooptada pelo regime que lidera: Adão Ramalho, profissional da Rádio Capital FM, foi agredido por um elemento de segurança do Umaro Sissoco à luz do dia, tendo sofrido graves ferimentos. Aliás, ao próprio Abdurahamane Turé, Umaro Sissoco Embaló adverte no áudio da conversa telefónica que tiveram, no sentido deste “ter muito cuidado, porque tem estado a monitorar as suas acções”.
O problema do Umaro Sissoco Embaló não é com Abdurahamane Turé, nem com Tchumá, Alisson ou Adão Ramalho. O problema do Umaro Sissoco Embaló é com toda a imprensa que não se alinha no seu absolutismo ditatorial, com todas as vozes que ousem levantar o mínimo de crítica à sua ditadura, incluindo as vozes entre os seus serviçais, e não faltam exemplos, desde raptos e espancamentos de alguns no quintal da presidência, até chamadas telefónicas do próprio Umaro Sissoco a ameaçar os seus alvos entre a sua banda serviçal. Quem será a próxima vítima do ditador na imprensa nacional?
Por: Sumaila Jaló
Professor e activista
Conosaba/odemocratagb
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