[ENTREVISTA abril_2021] Os serviços nacionais da veterinária estão em ruína, sem quaisquer condições de trabalho e carecem de tudo, desde laboratórios para análises e técnicos qualificados, razão pela qual em algumas regiões do país recorre-se a auxiliares treinados internamente. A falta de um laboratório obriga os técnicos veterinários a recorrerem sempre à ajuda do laboratório do Senegal, através de envios de amostras para a confirmação de determinada doença ou vírus.
Os técnicos abordados informaram que a Guiné-Bissau dispunha de um laboratório veterinário entre os anos de 1979 e 1980 e que continha diferentes serviços, mas que fora totalmente danificado no conflito político militar de 07 de junho de 1998, dado que o edifício que albergava o laboratório serviu de base das forças militares Conacri-guineenses e todos os aparelhos foram danificados e que até agora o governo não se dignou em construir um novo laboratório, moderno e equipá-lo.
O estado de deterioração em que se encontram os serviços de veterinária, que aos olhos dos seus técnicos não são tidos nem achados pelos governantes, foi revelado pelo diretor-geral da pecuária que engloba os serviços da veterinária, Bernardo Cassamá, durante uma entrevista ao Jornal O Democrata [abril de 2021], para falar dos serviços da veterinária e da sua importância numa sociedade, dado que cuida de animais que na maioria são domésticos e que alguns são consumidos para uma dieta sã.
“NÃO ESTAMOS EM CONDIÇÕES DE ENFRENTAR UMA PESTE EMERGENTE O QUE É UM PERIGO PARA O PAÍS”
O diretor-geral da Pecuária disse, na mesma entrevista, que o sistema de saúde veterinário é muito precário e que não está em condições de enfrentar quaisquer pestes emergentes em animais, o que no seu entender é muito perigoso para o país, porque se aparecer de repente alguma doença animal e a veterinária não estiver em condições de fazer face à doença, poderá haver implicações sérias na saúde humana.
O médico veterinário explicou que a medicina humana é o segundo da medicina veterinária em termos de categorias, dado que a veterinária é o setor responsável pela luta para a prevenção de 75 a 85 por cento de doenças que infetam os humanos, por isso alertou que o governo guineense deveria fazer um investimento sério na medicina veterinária, a começar pela formação de médicos para o setor. Também poderia abrir uma escola nacional com apoio dos parceiros ou procurar bolsas para a formação superior nesta área a fim de colmatar as lacunas existentes.
Relativamente aos tipos de doenças de animais registadas no país, informou que anualmente as principais doenças e que requerem uma vacinação urgente de animais para a prevenção de doenças, são: carbúnculo sintomático, carbúnculo hemático, raiva, peste de pequeno ruminante que mata cabras e cordeiros, a peste suína africana, a brucelose e febrastósa. Segundo a sua explicação, esta apareceu em 2015 e está a criar resistência.
Assegurou que a vacina para a doença de “febrastósa” é extremamente cara, como também é muito difícil de ser encontrada na sub-região. Acrescentou que a referida vacina só é importada da Etiópia ou da África do Sul.
Informou neste particular que existem doenças de animais que não têm cura. De acordo com o médico, trata-se da Peste Suína africana que causa, muitas vezes, morte a porcos e que só pode ser tratada com antibióticos e bons cuidados, contudo, informou que a doença não contamina o ser humano.
“A medicina veterinária é primeira que a medicina humana. Se fizermos os nossos trabalhos, a medicina humana não terá muito que fazer, exemplo disto, não existe vacina contra a raiva, quando um humano é mordido por um animal, morre. Já existe um número significativo de humanos que morreram de raiva, mas esta parte é tratada na medicina veterinária com a vacinação antirrábica aplicada aos animais”, esclareceu, para de seguida criticar que o setor veterinário não teve nenhuma atenção dos sucessivos governos.
Informou que o centro clínico veterinário do país foi construído desde a época colonial com as suas estruturas a nível das regiões, tendo frisado que o laboratório foi construído nas décadas de 70 ou 80 e continha diferentes serviços, mas atualmente não está a funcionar. Revelou que já há muito tempo que os médicos veterinários, quando precisam de confirmar alguns resultados de exames, são obrigados a enviar as amostras ao Senegal que dispõe de um laboratório especializado.
Cassamá implorou ao governo que melhore as condições dos serviços veterinários bem como que promova a construção de um novo laboratório equipado, moderno, que lhes permita fazer um bom trabalho ao serviço do país e das populações.
“É preciso um novo laboratório com condições. O edifício onde funcionava o laboratório foi a base das tropas da Guiné-Conacri, durante o conflito militar de 7 de junho, por isso a infraestrutura está danificada, para além de ser uma construção de um momento em que não existiam grandes exigências na construção de laboratórios, precisa ser reabilitado para torná-lo num laboratório moderno” notou, alertando que se o governo avançar com a construção de novo laboratório, seria importante anexar uma parte de análise alimentar que serviria para inspecionar os produtos de origem animal importados para consumo humano, designadamente: Pernas e asas de frango ou passarinhos, galinhas, ovos entre outros.
Assegurou que os serviços da veterinária inspecionam a olho nu os produtos alimentares de origem animal importados, através da verificação de prazos de validade nas embalagens, o que no seu entender, é muito perigoso para a saúde pública, dado que nas normas é preciso fazer uma análise laboratorial dos mesmos.
MATADOUROS DO PAÍS NÃO REÚNEM CONDIÇÕES PARA ABATE DE GADO E SÃO FONTE DA DOENÇAS
Sobre a inspeção de carne vendida nas ruas de Bissau e nas regiões, Bernardo Cassamá disse que a veterinária não tem condições para levar a cabo uma inspeção geral a nível de postos da venda. E recorda que a lei proíbe a venda de carne de animais nas ruas, sem que seja submetida ao controle veterinário.
Afirmou que o matadouro não tem a mínima condição de funcionamento e que apenas se transformou em casa de abate de animais. No entanto, mostrou-se muito preocupado com a falta de técnicos qualificados no setor veterinário e disse que é importante a formação de novos quadros.
“É uma ciência de luxo igual à medicina humana, por exemplo, a nota para cursar ciências de animais em Portugal, o candidato tem que garantir entre 16 a 20 de média final para conseguir entrar no curso”, referiu.
Neste sentido, criticou a falta de planificação do ministério da Educação, com o propósito de identificar as necessidades prioritárias em cada setor de atividade para a disponibilização de bolsas de estudo.
Enfatizou também a questão do salário. Segundo a sua explanação, o salário pago aos técnicos veterinários não atrai nem motiva os jovens a pensar fazer o curso de “médico de animais” e sublinhou que tentou várias vezes convencer as autoridades no sentido de aumentarem ou dar um salário digno aos técnicos veterinários de acordo com as categorias, mas não conseguiu.
O médico lembrou que no âmbito do apoio do Projeto REDISSE 2, conseguiram uma bolsa de estudo para 16 pessoas na área de enfermagem veterinária e deste número, apenas dez (10) conseguiram entrar para o curso superior de enfermagem.
“No entanto, aguardamos com expectativa o regresso destes técnicos para assumirem os lugares e dar mais dinâmica ao serviço”, sublinhou.
Instado a pronunciar-se sobre o futuro da medicina veterinária na Guiné-Bissau, afirmou que será negativo se não houver mudanças de mentalidade dos governantes sobre o setor e um investimento sério.
De acordo com o médico, a nível das oito regiões que compõem o país, só há um médico veterinário que está na região de Gabú, os demais são quadros médios. Frisou que “deveria normalmente existir no mínimo um médico veterinário por região, quatro ou cinco técnicos médios e auxiliares para complementar”, explicou.
Lamentou que as delegacias da veterinária da região de Cacheu e de Bolama Bijagós sejam dirigidas por auxiliares treinados localmente. Acrescentou que as delegacias das regiões de Tombali, Quinará, Bafatá e Oio, dispõem de um técnico médio, bem como a região de Gabú que agora conta com um técnico médio, porque o médico que tinha sido colocado ali subiu de categoria.
Sobre medicamentos para animais, explicou que o país não dispõe de grandes importadores de medicamentos para animais e que os que existem são comprados nos países vizinhos, sobretudo no Senegal.
“O governo no seu Orçamento Geral de Estado, incluí sempre campanhas de vacinação e tratamento de animais, medicamentos, ou seja, onde toda atividade do serviço da pecuária é reservada. Mas não se vê nada na prática e com a exceção da campanha de vacinação antirrábica para cães, às vezes. Tudo para priorizar o que acham de prioridade” criticou o médico, que entretanto, lembrou que na rubrica do ministério de Agricultura no OGE e no capítulo dos serviços de veterinário disponibilizam apenas 2,5 por cento, que segundo ele, serve apenas para o pagamento de salários e não para o investimento.
“Não estamos a exigir que a veterinária da Guiné-Bissau tenha a mesma qualidade que a de Estados Unidos, não, mas sim que tenha as condições mínimas de trabalho que de facto estão a fazer falta aqui! É preciso termos pessoal de qualidade nas fronteiras e um laboratório funcional”, exortou.
Por: Djamila da Silva
Foto: Marcelo Na Ritche
Conosaba/odemocratagb
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