Antes
demais, estabeleçamos alguns pontos prévios. Digo “alguns” porque não sei
quantos serão e não quero que, depois da vossa leitura, achem que sou
incoerente. O primeiro ponto é este: estou pronto para ser preso, se assim
mandar quem poder. E não quero que ninguém me defenda, nem advogado/a, ninguém
mesmo. Porque se os factos não podem defender-me, mais ninguém o poderá fazer. Até
porque, estando preso, à moda do Ministério de Interior, não há acesso a nada,
até que te libertem. Um outro ponto é o seguinte: acho que o deputado José
Carlos Macedo Monteiro é um dos hipócritas de que é composto o nosso hemiciclo.
(Não me interpretem mal, porque é só o que acho. Por isso é que não disse que
ele é hipócrita, mas sim “acho que é”. Até porque cabe-vos a vós achar qualquer
outra coisa, só não digais que eu disse que ele é hipócrita. Isso não vos admito).
Desses outros, senão todos, ocupar-me-ei, assim que voltem a revelar-se.
Poderia aqui dizer que a Comissão Especializada para Assuntos de Adm. Interna,
Poder Local e Defesa da Assembleia Nacional Popular é hipócrita, daí todos os
elementos que a compõe, mas não o digo. E porque não? É José Monteiro,
presidente dessa comissão, a quem me dirijo.
Mais
outro ponto (e este, talvez seja prévio). Há 3 de julho, o e-global.pt deu
uma notícia, cujo título era “Guiné-Bissau: PAIGC regressa ao Parlamento e
entra em choque com nova aliança governativa”. É interessantíssima esta notícia
e não é por causa do regresso do PAIGC. É, e sobretudo, por causa dos termos
como “choque” e “nova aliança governativa”. Deste último, não vou falar.
Limito-me apenas ao primeiro: “choque”.
Para
mim, tudo que envolva choque é giro e mais alguma coisa. (Confesso que, quando
lia essa notícia, fui consultar o significado da palavra “choque”. Eis que ela,
entre várias outras coisas, pode significar encontro violento entre…, embate
entre pessoas…, estado de grande perturbação mental ou psicológica). O
deputado do MADEM, José Monteiro, segundo e-global, “quase começou uma
cena de pugilato com a deputada Matilde Indequi, eleita pelas listas do PAIGC”.
Para quem não sabe, pugilar (daí pugilato) é lutar a (ou dar) socos ou murros.
Que cena gira! Imagino que neste momento estarão a imaginar a cena de 2019, no Estádio
Prince Moulay Abdellah, em Marrocos. E terão razão. No fundo, é tudo isso. O e-global
diz que “a sala (de ANP) ferveu” nesse dia, por causa duma mescla de
perturbações mental e psicológica, agressões e insultos entre os paralamentares
(os mais atentos hão de reparar que acrescentei um “a” antes do “l”).
Agora
passemos ao que mais me interessa hoje. Como sempre, hoje, ao acordar, embora
esteja em desmame, peguei no meu telemóvel e abri o Facebook. Entre as notícias,
encontrei a denúncia da Liga Guineense dos Direitos Humanos sobre o “rapto de
mais um cidadão”. Tratava-se de Queba Sané, “mais conhecido por” R-Kelly, a
quem chamam de “ativista político”, que terá sido raptado, algemado, espancado
e levado para lugar incerto, na “porta-mala” de um V8. Até aqui, tudo giro e
normal e, para mim, se fosse detenção, nada seria estúpido porque se trata de
um país com leis que preveem detenções… (Solidariedade minha, R-Kelly!). Nesse
momento, confesso, o que me veio à cabeça foram as seguintes frases: “ah, faca de dois gumes!, coitado, raptaram este
gajo!” Atenção: não estou de acordo com raptos. Mas também não estou contra
detenções, se se justificam. Até porque, sendo R-Kelly de “geração de
concreto”, que quer “disciplinar o país”, tem que “responder às autoridades”,
quando elas o chamam. E se essa é a melhor forma para as autoridades, julgo,
será a melhor forma para R-Kelly, quem também contribui, e muito, para termos
as “autoridades” que agora temos. Mais: têm sido notícias as denuncias de
“detenções e prisões arbitrárias”, por gente ousada.
Ora,
tudo isso continua a ser giro. Hora após hora, a LGDH noticiava a monitorização
que estava a dar sobre a “evolução deste triste e vergonhoso acontecimento”.
Afinal eram dois “ativistas” que se encontravam “ilegalmente detidos na Segunda
Esquadra de Polícia de Bissau”: R-Kelly e Carlos Sambu. Importante: Carlos
Sambu é também da “geração de concreto” e é dos que lutaram unhas e dentes para
que tivéssemos um presidente de “concórdia nacional”, porem um dos mais
divisionistas da história política do país. (Minha solidariedade, Carlos
Sambu!).
Volto
a insistir: não estou a favor de detenções arbitrárias, mais se é isso que é
ser de “geração de concreto”, quem sou eu para impedir que assim não seja? Cada
um exerça a sua liberdade, que pode ser de exprimir, insultar e até de
aprisionar, sabendo que as consequências – quando existem e apuradas – são
suas. Mais: se fizesse parte do ciclo dos “formadores de opinião publica”, eu
exigiria não só a rápida libertação desses cidadãos, como também a explicação
do porquê da sua prisão e que sejam traduzidos a justiça, se é que exista,
todos os autores morais e físicos (supostamente desconhecidos) desse ato, como
se costuma dizer! Ainda bem que foram libertos!
Surpreendentemente,
ao abrir o Facebook, já a hora de almoço, deparo-me com um vídeo de 13 minutos
e 13 segundos, na RádioBantaba, no qual falava José Carlos Mancebo Monteiro
sobre o rapto dos “ativistas” da “geração de concreto”. Parabenizo o José Carlos
por este feito gigantesco. Falar a um órgão de comunicação social, tão
energético e detalhadamente, no contexto de monitorização desses órgãos que o
país conheceu, é um ato de coragem. O Zé Carlos, segundo disse ele mesmo, não
poupou os esforços. Fez tudo o que era necessário: ligou a Polícia Judiciária,
a sua Direção Superior, que lhe informou não ter os dois jovens. Foi ao
Ministério de Interior, onde terá sido recebido pelo seu Secretário de Estado,
Mário Fambé, quem lhe disse não ter informações sobre a razão da prisão dos
dois e que, tendo ouvido isso, terá ligado ao Ministro de Interior, Botché
Candé, e este respondeu-lhe: digo-lhe depois. Mais uma vez, parabééénnns a Zé
Carlos pela tão energética procura pela veracidade dos factos. Fosse jornalista,
Zé Carlos seria dos melhores ou piores, daqueles que só falam daquilo que lhes
convém. O deputado prosseguiu (tradução minha): “estamos à espera das
explicações. A forma, procedimentos para prender os dois cidadãos nacionais não
foram corretos”. Depois deu conceitos de detenção, flagrante delito, etc.,
condenando o ato “com viva voz, LETRAS GROSSAS, sem ver lado direito nem
esquerdo, porque ninguém é intocável, incriticável.” Concordo plenamente com a
condenação, senhor Zé.
Até
aqui, repito, é tudo giro e mais alguma coisa. Três minutos depois, o senhor Zé
avançou com críticas ao regime (e traduzo): “não podemos tomar o poder, sob
pretexto de mostrar como se desenvolve um país, fazendo justiça, e estarmos a
prender as pessoas como animais. (Uma nota: prender as pessoas como animais
quer dizer “arbitrariamente”, não? e “tomar poder”?) Por isso é que condenamos e exigimos, aqui,
que sejam imediatamente soltos. Mas queremos explicações. Se há o que a nossa
comissão vai seguir, durante o nosso mandato, é a apreensão desses dois
cidadãos”. Com isso, não me alinho. Quer se dizer, vão se açambarcar de todos
os privilégios e direitos, com deveres quase inexistentes, para se darem só e
só ao trabalho de acompanhamento da detenção feita pelo regime a que apoiam? E
dos outros cidadãos? Isso é que é ser defensor dos direitos dos cidadãos?
Porém, vamos, então, aos factos: a) sobre o rapto e espancamento do deputado
Marciano Indi, de APU, em maio, o que é
que a comissão fez? Nada. (Irão me dizer: “ah, mas foi criada a comissão de
inquérito e tal”. O quê que essa fez? Nada.) b) o quê que a Comissão fez sobre
a prisão de deputado Armando Correio Dias, de PAIGC, em junho, pelas forças de
segurança? Nada. E sobre Doca Ferreira (Doka Internacional)? Nada. Talvez não
falemos da vandalização da Rádio Capital Fm. Poderia fazer uma lista enorme,
mas esses são apenas os que vieram à tona.
Convenhamos:
isso não é hipocrisia? Mas pronto, sigamos. O sr. Zé diz não aceitar que se
continue a prender os cidadãos, a ameaçá-los a aceitar os autos, porque se está
no poder. E que não é para isso que está na “casa do povo”. No fundo é como
dizer a um bandido: “dou-te a arma para matares o fulano, mas não o matas.
Tentas só o disciplinar. Ele que se mije, será tudo giro depois.” Vai ainda
mais ao fundo: exige ao Ministério Público para abrir inquérito sobre a
detenção dos “ativistas” da “geração de concreto”, como forma de fazer “justiça
de qualidade”, começando hoje, porque está interessado a saber o quê que passa.
E
para terminar, não poderia não salientar essa denuncia, digna de atenção. O Zé
disse: “é o mesmo grupo que continua a
fazer o mesmo. Vandalizou a rádio (Capital FM) e nada se fez. Falou-se, mas não
se apurou a responsabilidade.” Deu mil e umas orientações sobre como se faz a
justiça. Isso é de louvar. Porém, se o Zé disse que o grupo que raptou os dois
deputados é o mesmo que vandalizou a rádio, então querem-me dizer que não se
sabe quem são pessoas que fazem parte do tal grupo? E, volto a perguntar, dos
inquéritos feitos, quando serão apuradas as responsabilidades? A “justiça de
qualidade” só existe para uns, para outros não? E o governo da “geração de
concreto”, continuará em silêncio? E o “presidente de concórdia nacional”, nada
tem a dizer? Ou está mais preocupado em defender que os padres têm que dar a
missa; os pastores, o culto; os imames, a reza; e que se lhe for chamado um
imame esse o apoiará?
Agora
termino da mesma forma que comecei: acho que o deputado José Carlos Macedo
Monteiro é um dos hipócritas de que é composto o nosso hemiciclo. E se ele se
ofender com isso, estou cá não só para “responder à justiça”, como também
pronto para me defender a mim, sem impulso da comissão parlamentar.
Ronaldo
Mendes
Porto,
06/10/2020
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