[ENTREVISTA_junho 2019] O analista político guineense, Timóteo Saba M’Bunde, exortou a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que exija ao Presidente José Mário Vaz, através de uma posição dura, a nomeação do novo primeiro-ministro indicado pelo partido vencedor das eleições legislativas de março. O analista falava durante uma entrevista ao semanário O Democrata para refletir sobre a crise pós-eleitoral que se vive no parlamento e as consequências políticas da demora da nomeação do novo primeiro-ministro, passados três meses após as eleições legislativas, uma vez que a CEDEAO, no passado recente, tomou uma posição dura contra o regime de Jammeh na Gâmbia que negou os resultados eleitorais.
Acrescentou que o caso da Guiné-Bissau é muito mais grave, dado que os resultados foram reconhecidos pelas entidades nacionais e internacionais. Frisou que o Presidente da República, simplesmente recusou-se assumir as suas responsabilidades legítimas e salvaguardadas na Constituição, sendo uma das quais a nomeação do primeiro-ministro, por isso há toda uma necessidade urgente de a CEDEAO exigir que nomeie o primeiro-ministro, viabilizando consequentemente a formação do governo.
Sobre a ideia do governo de iniciativa presidencial que se especula, advertiu que avançar com essa iniciativa numa altura em que o país saiu das eleições legislativas na qual o povo escolheu uma formação política para dirigir o país, é decretar o fim da democracia na Guiné-Bissau e passar a legitimar um governo autocrático ou se não tirânico.
Sublinhou que a nomeação do governo legitimado pelo voto popular não pode ser condicionada pelo impasse na composição integral da mesa da Assembleia Nacional Popular.
PRESIDENTE JOMAV NÃO DEVE ESTAR APENAS AO SERVIÇO DO MADEM E DO PRS
O analista político assegurou que o Presidente da República não deve estar apenas ao serviço do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15) e do Partido da Renovação Social (PRS) e também ao serviço de uma agenda política própria, sendo um ator político que tem o seu interesse em cumprir um segundo mandato numa altura em que o partido que vai governar está de costas viradas para ele.
“A bem da verdade, José Mário Vaz queria que outro partido como Movimento para Alternância Democrática e Partido da Renovação Social, que são agremiações partidárias que estão próximos ao Chefe de Estado, ganhasse as eleições legislativas de 10 Março, mas não o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde que não é do seu agrado, mas neste momento não tem armas políticas para evitar essa situação”, sublinhou.
O jovem analista político disse que em nenhuma circunstância a democracia deve ser posta em risco, mas neste momento estamos a assistir a morte da jovem democracia guineense em que a população votou num determinado partido que constituiu uma maioria, através de um acordo de incidência parlamentar com outras formações políticas representadas na ANP. José Mário Vaz não tem margem de manobra se não respeitar a vontade popular que passa pela nomeação do novo primeiro-ministro indicado pelo partido vencedor e consequente formação do governo.
Timóteo Saba M’Bunde informou que a Guiné-Bissau é um país frágil e dependente da comunidade internacional até para organizar as suas eleições e a mesma comunidade internacional já falou alto e em bom som para que o Chefe de estado nomeie o chefe do governo, a partir das últimas eleições legislativas realizada no país. Portanto, a preocupação das organizações internacionais é legitima e tem o dever de fazer pressão para que seja observado o valor da democracia no país.
“Essa preocupação da comunidade internacional é legítima porque a Guiné-Bissau é membro de plenos direitos das Nações Unidas e compartilha várias plataformas internacionais, ou seja, estamos num contexto de interdependência económica e política, onde nenhum país pode sobreviver isoladamente e a democracia é um valor inegociável. Assim a necessidade do país respeitar os valores democráticos, neste caso, impõe que o Presidente da República não possa omitir-se dos seus deveres para nomear o governo, independentemente de gostar ou não, porque o que manda é a vontade popular expressa nas urnas”, aconselhou.
“Esperava que tivéssemos um governo que teria dificuldades a nível do parlamento na aprovação de instrumentos importantes, diplomas que requereriam uma maioria qualificada de votos dos deputados. Ninguém esperava uma crise ou imbróglio que levaria o país a uma situação de impasse, no que tange à não nomeação do novo primeiro-ministro, resultante das eleições legislativas de 10 de março. Assim, estamos numa situação muito complicada e delicada porque a nomeação do chefe do governo não tem nada a ver com a constituição da mesa da ANP”, enfatizou.
Sobre a possível intervenção da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) na resolução do impasse político na Guiné-Bissau a semelhança daquilo que aconteceu na Gâmbia, Timóteo M’Bunde sublinhou que a situação atual do país é muito mais grave do que foi a da Gâmbia porque na Guiné-Bissau os resultados foram divulgados e reconhecidos por entidades nacionais do país, inclusive pelo Presidente da República. Simplesmente omitiu-se das suas responsabilidades legitimas, ao não nomear o novo primeiro-ministro. No caso da Gâmbia, o Presidente na altura não reconheceu os resultado. Portanto existe toda a necessidade de a CEDEAO fazer exigências ao chefe de estado guineense.
“Acredito que, se o Presidente da República não nomear o primeiro-ministro indicado pelo partido vencedor das últimas eleições até dia 23 de junho, momento em que termina o seu mandato, é possível que venhamos a assistir algumas articulações políticas no país. Mas também não é absurdo falarmos na possibilidade de um conflito no país, caso o Chefe de Estado persista em não nomear o primeiro-ministro e a situação se transbordar a uma parte mais delicada e fina que poderia provocar um conflito de facto na Guiné-Bissau”, advertiu.
Por: Aguinaldo Ampa
Foto: A.A
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