Luís Vicente
Luís Vicente defende o diálogo inter-institucional e com os partidos políticos e sociedade civil. Afirma que Portugal "tem um papel fundamental na solução" para o país e que "só as eleições" não resolvem o problema.
A Guiné-Bissau continua numa situação de impasse político. E nada indica que os protagonistas do conflito político estejam em condições de procurar um consenso. As posições divergentes do Presidente da República, da Assembleia e dos diferentes partidos com assento parlamentar extremaram-se. As populações, essas, já perderam por completo a sua confiança no sistema político, e tentam sobreviver, apesar da estagnação económica total.
A diáspora, com destaque para a comunidade guineense em Lisboa, a tudo assiste, incrédula e com crescente impaciência. É o caso do guineense Luís Vicente, economista e professor universitário e coordenador do Geba-Summit Lisboa 2017, um Ciclo de Conferências sobre o tema «Estado, administração pública e cidadania» que terminou esta sexta-feira (17.03.).
Em entrevista concedida à DW, o professor Luís Vicente começa por fazer o ponto da situação política em Bissau.
DW África: Visto de longe, acha que assistimos à falência do sistema político na Guiné-Bissau?
Luís Vicente (LV): Acho que sim porque já faliu há algum tempo. O que sempre chamamos a atenção é que temos que reformar e, se for necessário, refundar o próprio Estado, no sentido de encontrar aqui uma base sólida que possa consubstanciar os pilares da democracia que se pretende. Sou um daqueles que defendem que efetivamente a Guiné-Bissau é um Estado de direito, mas a aplicabilidade e a eficácia desse direito é que não se vislumbra porque há sempre polémica entre os órgãos de soberania. Há problemas também junto dos tribunais, havendo aquela tentação de não separar os poderes, e portanto, a questão do equilíbrio também. É preciso que se retome e que se refunde de uma forma muito consistente e sólida. E isso só é possível se houver diálogo inter-institucional e com os partidos políticos e a sociedade civil, onde é também importante ouvir a própria comunidade internacional.
DW África: Nos últimos 18 meses já tiveram lugar muitas tentativas, inclusivamente, foi também ouvida a opinião da comunidade internacional e até houve o Acordo de Conacri. Mas, entretanto, as posições dos intervenientes extremaram-se...
LV: Na verdade, tentou-se resolver o problema do impasse político do país com a assinatura do Acordo de Conacri. Eu tenho muita reserva porque por mais que se tente dizer que este acordo é uma solução melhor neste momento, acaba por criar uma situação difícil e terrível porque ali é que as pessoas intensificaram as suas respetivas posições. São exemplo as últimas declarações do próprio primeiro-ministro que chamou a atenção do mediador da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), dizendo que ele não deveria intervir propriamente nos assuntos da Guiné-Bissau, e que não reconhecia a pessoa do senhor Alpha Condé como alguém indicado para ainda conduzir este Acordo de Conacri. As posições extremaram-se de tal forma que confesso que o país se encontra numa situação terrível e não sei quando estaremos em condições de dar a volta a esta situação.
DW África: Se a CEDEAO se mostrar incapaz, Portugal deveria assumir um papel mais preponderante neste processo?
LV: Portugal, quer queira, quer não, tem um papel fundamental na solução e é preciso que seja feito alguma coisa.
DW África: Acha que o atual Presidente, a Assembleia Nacional Popular (ANP), os deputados e os partidos estão em condições de resolver a crise ou seria necessária a realização de novas eleições presidenciais e legislativas?
LV: Só as eleições não irão resolver o problema na Guiné-Bissau. Temos que começar a pensar na possibilidade das Nações Unidas intervirem junto do poder político no país, ou seja, chamar a atenção para aquilo que é a administração das suas operações em termos de administração pública. E chamar depois a Assembleia Nacional Popular e os seus respetivos deputados para se pensar e discutir a reforma da Constituição da República e começar a preparar o país para as eleições autárquicas que é o poder de proximidade das populações.
Conosaba/Dw
Manifestação na Guiné-Bissau em prol da reabertura do hemiciclo que permita a apresentação e aprovação do programa de Governo, em março de 2017.
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