A noite estava triste, não se
sabia a razão, ela era alheia mas, mesmo assim, decidi envolver nessa tristeza
com a incerteza e, aos poucos, a minha cabeça começava a dançar, de um modo
enlouquecido, com o cinzento panorama político, pensando coisas ruins como, por
exemplo, acabar com alguns políticos sujos, mas não queria matar ninguém,
embora houvesse a vontade para o fazer.
Entretanto, pus-me a pensar em como
evitar essa tamanha loucura. Como desviar a minha alucinação para não matar
ninguém, para não cometer o pecado mortal, para não fazer exatamente igual aos
próprios políticos da minha pátria amada, que matam todos os dias os que querem
crescer, os que querem viver dignamente, os que querem impingir a honestidade, matam
sobretudo a esperança de todo um povo, que eu admiro como um herói.
Nesse vai vem de pensamento,
rebentou uma determinação de ser escritor. Porquê? Sim, isso mesmo, porquê ser
escritor?
A minha cebola do pescoço começava
a falar comigo mesmo, interagíamos como se fosse o aluno e com professor, numa
explicação particular. Eu fazia pergunta e ela respondia como se fosse uma
outra pessoa dentro de mim, que respondia as minhas questões:
– Porquê ser escritor? – Voltei
a perguntar, porque a resposta demorara para vir.
– Porque ser escritor te permite
concretizar a tua vontade. – Disse ela.
– Mas qual vontade?
– Não sejas tonto, meu querido!
A vontade de acabar com esses políticos sujos.
– Mas aquilo era apenas uma
forma pacata de mostrar a mim mesmo a minha indignação com eles.
– Mais uma razão de ser
escritor! Essa forma de mostrar a tua indignação, se decidires ser escritor
vais emprestar a tua palavra, a tua escrita como a voz de todo um povo que está
indignado de igual modo contigo.
– Mas escrever é difícil, não
vou ter pachorra para essa brincadeira. – Rematei para desviar de mim mesmo.
– Não é difícil nada, vais
escrever o que a tua cabeça vai te dizer, tu vais apenas emprestar-me a tua
mão, vou fazer chegar as palavras a ti e tu põe-na no papel, o preto no branco.
– Insistiu ela.
Não tinha mais argumento para
resistir, o que me levou a ceder. Ela apercebeu-se que eu não estava
convencido, embora vencido, acrescentou:
– Ser escritor vai permitir que
consegues criar muitas histórias e, naturalmente, muitas personagens, em que
elas podem mover dentro da tua história, e tu serás o todo poderoso desse mundo.
Se quiseres acabar com esses políticos sujos mete-os na tua história como
personagens e acaba com elas todas.
A noite passou, o dia nasceu do
ventre da esfera celeste e uma aurora cresceu e mais tarde um sol diferente,
que brilhava como se não voltará a fazer o mesmo num outro dia, organizei as
minhas coisas, fui ao meu escritório, tirei um papel branco, peguei na caneta
preta que estava em cima da secretária (lembrei-me do “preto no branco”) e
comecei a escrever uma história, em que decidi acabar com todos os políticos
sujos. E, mais tarde, partilhei essa história com todos da minha terra.
Assim nasceu o escritor!
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