Lassana Mané, Economista e Planificador Financeiro junto ao Royal Bank de Canadá
Em Julho de
2015, o antigo governo da Guiné-Bissau liderado por Domingos Simões Pereira, na
pessoa do seu ministro das finanças, Geraldo Martins, contraiu secretamente um
crédito na ordem de 34 mil milhões de francos CFA ($57,81 milhões de dólares) para
a limpeza da carteira de créditos privados mal parados. Em outras palavras, o
governo transferiu as dívidas privadas de um grupo de pessoas, para o povo
guineense. Esta é uma operação desnecessária e incoerente, porque de um lado, o
aumento da dívida pública pode ter impacto negativo no crescimento económico.
Por Lassana
Mané | lasmane@gmail.com
No contexto de um país como a Guiné-Bissau que
tem acusado sistematicamente o défice de balança de pagamento, o país é
obrigado a endividar-se para poder continuar a funcionar normalmente. Cada ano
que o governo acusa défice, o Estado guineense deve endividar-se de novo para
cobrir as suas despesas correntes e, ao mesmo tempo, pagar as dívidas
anteriores, o que acaba por aumentar os custos dos serviços da dívida,
nomeadamente o pagamento de juros e reembolsos do capital. Todas estas despesas
acabam por aumentar o défice da Guiné-Bissau.
Este ciclo vicioso pode colocar o país numa
situação preocupante porque a sua política orçamental vai-se deteriorando e a
sua insolvência aumenta. Em consequência, os credores do país acabam por perder
a sua confiança no país e mudam as suas opiniões, como pode ser o caso do Fundo
Monetário Internacional, no quadro do empréstimo alargado à Guiné-Bissau. Ao
não disponibilizar os tais créditos prometidos, a decisão do FMI pode colocar o
país numa posição de grave crise financeira.
Por outro lado, se o crescimento económico for
fraco (como tem sido na maior parte dos casos), o rácio de solvência se degrada.
O rácio de solvência é a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB), um
indicador da riqueza do país directamente ligado ao crescimento económico, e o peso
da sua dívida. Com uma tal degradação, a dívida de um país começa a ser
insuportável e, consequentemente, corre-se uma situação de risco de falência. Então
questiona-se: porquê salvar os Bancos de risco de falência e colocar o estado
numa posição delicada que no futuro pode o levar à falência? Entre as duas hipóteses, qual é a
mais grave?
Numa economia de mercado normal, se um credor
(neste caso um banco) emprestar dinheiro que não conseguiu recuperar, porque
analisou mal os riscos, ele assume as perdas e as devidas consequências. De
igual modo, se uma empresa se endividar e investir mal o dinheiro e se encontrar
na impossibilidade de pagar, ela declara falência. Neste caso específico talvez
o problema seja dos bancos que perderam o dinheiro e das empresas que vão à
falência, mas certamente não deveria ser um problema do governo e do povo da Guiné-Bissau.
Uma análise coerente e inteligente podia
reconhecer facilmente o facto que a operação de resgate aumentaria
significativamente as despesas do governo e não seria capaz de reduzir os
riscos assumidos pelos bancos e nem modificaria o comportamento dos empresários
em defeito de pagamento.
A tal operação de resgate não é só incoerente,
mas também não reforçará a eficiência global da economia nacional, porque os
grandes beneficiários são accionistas privados e estrangeiros dos bancos “resgatados”.
Ironicamente, o antigo governo proferiu não divulgar a lista dos beneficiados.
Qual é a dimensão dos bancos resgatados?
Quais são as interconexões e o risco de contagio com as outras instituições
financeiras no país e com o resto da economia nacional? Os bancos resgatados
podem ser substituídos pelos outros bancos comerciais concorrentes no país? Quantos
empregos serão criados ou serão preservados com a decisão dos antigos
governantes?
Independentemente de respostas a oferecer, numa
economia como a nossa, onde a maioria das actividades comerciais não passam
pelo sistema bancário -- pois a nossa economia é muito informal -- a
intervenção do Estado nesta situação é desnecessária.
Custo
financeiro e social do resgate
Segundo algumas informações ainda não
confirmadas, o governo da Guiné-Bissau contraiu a dívida com os dois principais
bancos num custo de 7% anual para um prazo de 10 anos. A confirmar estes dados,
só os custos de juros serão, aproximadamente, por volta de $4 milhões de
dólares anuais (2,3 bilhões de FCFA numa taxa de conversão nominal de $1 =
581,55 FCFA) ou seja, $40 milhões de dólares num período de 10 anos (23,2
bilhões de FCFA correspondentes a 68% da dívida contraída). Adicionando o
capital inicial emprestado de $57,81 milhões de dólares, o custo geral do
resgate para o povo guineense será na ordem de $97 milhões de dólares, ou seja
56,4 bilhões de Franco CFA.
A dívida será assumida pelas crianças e
jovens guineenses que verão os seus futuros hipotecados pela ausência de
investimentos públicos nos serviços sociais adequados; pelas mulheres “bideiras”
que trabalham honestamente para ganhar o mínimo para as suas sobrevivências e
que devem pagar impostos ou taxas no quadro das suas actividades económicas;
pelos funcionários do Estado que são frequentemente privados dos salários
durante meses (que na lei internacional do trabalho é considerado de crime);
pelos artistas e homens da cultura que nunca receberão apoios financeiros
significativos para desenvolver e promover a cultura nacional, etc.. E,
tristemente, os principais responsáveis pela dívida continuarão os estilos de
vida e de consumo que ostentam para provar os seus “superiores” estatutos
sociais.
Elaborar uma concepção intelectual e coerente
das políticas da intervenção do Estado no sector privado é, antes de tudo,
identificar os principais factores de risco e de disfuncionamento do sector e
analisar as medidas precisas para prevenir ou reduzir o tal disfuncionamento
financeiro e económico. E mais que isso, o governo deve ser capaz de nos
mostrar em como uma intervenção ou outra é a melhor forma de prevenir o
problema, remediá-lo ou atacar qualquer situação de constrangimento que surgisse
ao longo do processo.
Do ex-governo guineense ainda não há
informações oficiais, mas as explicações do então ministro da Economia e Finanças,
Geraldo Martins, nas suas notas através da sua página pessoal no Facebook,
parecem-me perturbadoras e incoerentes em relação aos avanços registados no
mundo à luz das teorias económicas.
Primeiramente, nenhuma intervenção do Estado
na economia garante um crescimento económico de maneira sistemática e sobretudo a longo termo. Um resgate por si só
não garante o crescimento económico.
Segundo, na sua quinta nota explicativa da
razão do resgate aos bancos, o ex-ministro disse o seguinte: “Os bancos
atribuíram a situação ao golpe de estado de 2012 que terá prejudicado muitos
operadores económicos”. Se consideramos a
instabilidade política como um factor de instabilidade económica, então não
faria sentido nenhum o Estado guineense assumir quaisquer dívidas resultantes
de tais condicionalismos porque ninguém pode afastar as possibilidades para
mais recorrências. Aliás, este parâmetro de risco tem um impacto negativo na
percepção e consequente crescimento económico do país, enfraquecendo as
instituições públicas e privadas, promovendo a corrupção e desencorajando todo
tipo de investimento. Ao contrair uma dívida bancária dos terceiros sob o
pretexto de uma instabilidade política e militar, os ex-governantes
mostraram-se incoerentes na forma de gerir a economia nacional.
Terceiro, dependo das circunstâncias e da
necessidade de intervenção, o Estado pode agir de duas formas:
1.
Através de
uma política conjuntural (intervenção a curto termo com objectivo de controlar
a demanda global)
2.
Através de
uma política estrutural que se preocupa mais com as condições de funcionamento
dos mercados e do potencial de crescimento económico a longo termo.
A
operação de resgate pode ser considerada como uma política conjuntural que é uma
combinação da política monetária e orçamental. Os sustentos dessa política são
essencialmente baseados nas políticas monetárias e de câmbio para agir sobre a
liquidez. E como a Guiné-Bissau não tem o controlo da sua política monetária
devido à zona monetária UEMOA onde está inserida, o Estado (governo, neste
caso) não pode agir sobre a massa monetária, nem sobre as taxas de juros para
incentivar o investimento. Aliás, a sua política
orçamental e fiscal carece de sustentabilidade porque depende fortemente das
ajudas externas e a sua capacidade de gerar receitas é fraca. Então a tentativa
de salvar os bancos com o pretexto de estimular a demanda global tem pouco
chance de sucesso, com previsões praticamente nulas.
Quarto e último, a teoria de Relance Económica
de um dos melhores economistas de todos os tempos, John Maynard Keynes
(1883-1946), diz o seguinte: O governo pode aumentar as suas despesas públicas
e reduzir impostos e a receita fiscal para aumentar a demanda global e
estimular a economia. O economista britânico sugere a injecção de dinheiro líquido
na economia através de investimentos nos novos projectos, como forma de
permitir as empresas aumentar a produção, gerar lucros, criar mais empregos e
melhorar salários. Keynes, por último, fala do aumento de salários como forma
de aumentar o consumo de bens produzidos. Estas são as formas mais coerentes e
universais de relançar a economia de um país.
Lições económicas de lado, para além do
processo de resgate ter sido conduzido com uma total falta de transparência (e
em secretismo), ele também carece de coerência micro e macroeconómica, técnica
e intelectual.
*Economista e Planificador Financeiro junto
ao Royal Bank de Canadá
Conosaba
Sem comentários:
Enviar um comentário