O recurso interposto pela defesa não impediu que os ativistas tenham sido levados para a prisão após a condenação
Os 17 ativistas angolanos saíram hoje do tribunal de Luanda para a cadeia, para cumprirem penas que só terminam depois das próximas eleições em Angola e que no caso do professor universitário Domingos da Cruz passa os oito anos.
Ao longo de mais de duas horas, o tribunal leu a matéria dada como provada e o respetivo enquadramento, deixando cair, como pedia o Ministério Público, o crime de atos preparatórios para um atentado ao Presidente da República e a outros membros do Governo - de que foram todos absolvidos -, mas acrescentando o de organização de malfeitores.
A condenação foi recebida na sala de audiência, fortemente vigiada pela polícia e serviços prisionais, com protestos e gritos de "palhaçada", tendo sido ordenada a detenção de pelo menos duas pessoas da assistência antes que o juiz da causa, Januário Domingos, decretasse a evacuação da sala.
No exterior, alguns familiares insurgiram-se em protesto contra a decisão, denunciando a interferência do "regime" neste desfecho, por entre lágrimas, mas sem desacatos conhecidos ou presenciados pela Lusa.
Ativistas angolanos condenados a penas entre os dois e os oito anos de prisão
O facto de todas as penas serem superiores a dois anos de prisão inviabilizou que os recursos imediatamente interpostos pelos advogados de defesa tivessem efeito quanto à sua execução, tendo sido ordenado pelo tribunal a sua condução à cadeia. Dos réus, 15 já tinha cumprido prisão preventiva entre 20 de junho e 18 de novembro, quando passaram a prisão domiciliária. Outras duas jovens tinham aguardado, até agora, em liberdade provisória.
Tidos como "revolucionários", por contestarem o regime angolano com manifestações e outros protestos de rua desde 2011, estes ativistas, caso nenhum recurso para o Supremo ou Constitucional tenha entretanto efeito, vão permanecer na prisão para além de 2017, ano de eleições gerais em Angola.
Globalmente, o tribunal deu como provado que os acusados formaram uma associação de malfeitores, pelas reuniões que realizaram em Luanda entre maio e junho de 2015 (quando foram detidos). Num "plano" desenvolvido em coautoria, pretendiam - concluiu o tribunal - destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de "Raiva, Revolta e Revolução", colocando no poder elementos da sua "conveniência" e que integravam a lista para um "governo de salvação nacional".
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Durante estas reuniões, apresentadas como ações de formação, os ativistas analisaram o livro do professor universitário Domingos da Cruz intitulado "Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura", o que lhe valeu a condenação em cúmulo jurídico a oito anos e seis meses de prisão, sendo condenado pelo tribunal como líder da "associação de malfeitores", além da prática do crime de atos preparatórios para uma rebelião.
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O 'rapper' luso-angolano Luaty Beirão - que não esteve na sala de audiência por ser recusar a ser revistado previamente -, de 34 anos, foi condenado pelo tribunal a dois anos de cadeia por atos preparatórios para uma rebelião, dois anos pelo crime de associação de malfeitores e outros dois anos por falsificação de documentos, tendo a cumprir, em cúmulo jurídico, uma pena única de cinco anos e seis meses de cadeia.
As penas mais leves, que o tribunal justificou com um menor nível de participação, foram para Benedito Jeremias, funcionário público de 31 anos, e para Rosa Conde, uma secretária de 28 anos, condenados em cúmulo jurídico a dois anos e três meses de prisão maior, ambos pela prática de atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores.
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Os restantes réus, Nuno Álvaro Dala, investigador e professor universitário, 31 anos, Afonso "M'banza Hanza", 30 anos, professor do ensino primário, José Gomes Hata, 31 anos, professor do segundo ciclo, Sedrick de Carvalho, 26 anos, jornalista, Fernando António Tomás "Nicola", 33 anos, mecânico, Nélson Dibango, 33 anos, cineasta, e Osvaldo Caholo, 26 anos, tenente da Força Área Angolana, foram todos condenados em cúmulo jurídico, por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores, a quatro anos e seis meses de prisão.
No caso deste último condenado, o caso segue ainda para tribunal militar, por estar pendente decisão de um crime de furto de documentação confidencial no mesmo processo.
A mesma pena foi ainda aplicada aos estudantes Manuel Baptista Chivonde "Nito Alves", 19 anos, Inocêncio de Brito, 28 anos, Albano Bingo Bingo, 29 anos, Arante Kivuvu, 22 anos, "Hitler" Tshikonde, 25 anos, e Laurinda Gouveia, 26 anos.
O tribunal rejeitou argumentos da defesa como recolha ilegal de imagens nas reuniões, falta de mandados de captura, ou mesmo que as sessões em causa resultavam do exercício do direito à livre reunião e associação.