Bissau, 23 jan - Um parlamento tenta funcionar de manhã, outro reúne-se depois, até à noite, para reverter as medidas do primeiro. Eis um dos retratos da semana da Guiné-Bissau.
A crise política no país chegou a um novo pico de tensão (mas sem armas, nem violência), com o Governo a acusar o Presidente da República, José Mário Vaz, de apoiar "um golpe institucional" parlamentar.
O conflito está no auge, desde que, a 13 de agosto de 2015, o chefe de Estado alegou desconfianças, desrespeito e suspeitas de ilegalidades para demitir o primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Os dois personificam as divisões no PAIGC, a força mais influente na Guiné, num confronto agora centrado na Assembleia Nacional Popular (ANP) porque é o órgão que nas próximas semanas vai decidir o futuro do Governo -- e, logo, decidir quem vai controlar o país.
O cenário que se vive hoje parecia improvável depois das eleições gerais de 2014, pagas pela comunidade internacional para devolver o país à normalidade constitucional, após o golpe de Estado militar de 2012.
Para sublinhar a confiança nas novas autoridades guineenses, a comunidade internacional prometeu mil milhões de euros para os programas desenhados pelo Governo e apresentados em março de 2015, na mesa de doadores em Bruxelas.
Mas em julho tornaram-se públicas as dificuldades de relacionamento entre Presidente e primeiro-ministro, com Simões Pereira a queixar-se de ingerências e falta de diálogo e Vaz a sentir-se desrespeitado e a acusar o Governo de supostos crimes.
Em agosto, apesar das posições contrárias da comunidade internacional, partidos e forças vivas guineenses (todos em defesa da estabilidade), Vaz reafirmou as suas convicções e desconfianças e demitiu o Governo eleito do PAIGC.
Deu posse a um outro composto por militantes de outra ala do partido e também por membros do Partido da Renovação Social (PRS) -- numa reviravolta da principal força da oposição, que até então apoiava o Governo de Simões Pereira.
O Presidente escolheu Baciro Djá (terceiro vice-presidente do PAIGC) para primeiro-ministro, mas este governo acabaria por ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em outubro, Vaz acabou por ter que dar posse a um novo Governo escolhido pelo PAIGC (vencedor das eleições com maioria na ANP) e liderado por um histórico do partido, Carlos Correia, com um executivo na continuidade do que tinha sido demitido.
Neste xadrez, um grupo de militantes alinhados com as críticas feitas pelo Presidente da República, negou o apoio ao programa de governação a 23 de dezembro no Parlamento.
O partido expulsou-os antes que o pudessem voltar a fazer na segunda votação, a 18 de janeiro, levando à queda do Executivo (porque sem os 15 deputados o PAIGC perdia a maioria de 57 em 102 lugares) e requereu a respetiva perda de mandato - deliberada a 15 de janeiro pela Comissão Permanente da ANP.
O clima agravou-se: os dissidentes recusaram sair e juntaram-se aos 41 do PRS, formando uma nova maioria que após interrompidos os trabalhos, na segunda-feira, e à revelia da mesa da Assembleia, continuaram reunidos e elegeram uma nova liderança do Parlamento.
Esta outra sessão durou até à noite e os deputados aprovaram moções de censura e de rejeição do programa de Governo, documentos entregues na Presidência da República para promulgação.
Cipriano Cassamá, declarou a sessão de apreciação do programa de Governo suspensa sem data, até que haja serenidade no hemiciclo, classificando como "nulos" todos os atos entretanto praticados na sala.
Pelo meio, Domingos Simões Pereira apelou aos militantes do PAIGC para lutarem contra "uma dúzia de indivíduos que procuram a todo o custo assumir o controlo do país para assim apagarem os traços da sua conduta criminosa no passado".
O Governo emitiu mesmo um comunicado em que acusa o Presidente de República de ser cúmplice numa "tentativa de golpe institucional" e em que denuncia haver uma tentativa de "detenção" de membros do executivo.
A Presidência reagiu pedindo "contenção verbal" e anunciando o início de auscultações às forças vivas do país para encontrar uma solução.
Num ponto todos concordam: aplaudem o distanciamento das forças armadas em relação a esta crise, com os militares sossegados nos quartéis.
A luta política reflete cisões que já eram visíveis no último congresso do PAIGC, em fevereiro de 2014: Braima Camará e Aristides Ocante da Silva, dois dos nomes hoje mais visíveis entre os contestatários, disputaram então a liderança do partido com Simões Pereira.
As divisões no seio do PAIGC acabaram por se diluir em torno da eleição do ex-secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, mas estão novamente à tona e a condicionar o desenvolvimento do país.
A comunidade internacional deixou um aviso, esta semana, em comunicado: a rapidez do "desembolso" dos apoios prometidos "depende da criação de condições de estabilidade".
Lusa/Conosaba
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