segunda-feira, 21 de setembro de 2015

«CRÓNICAS DE BISSAU» "TIO AUGUSTO, BÁ CARRO" - A. VERA CRUZ


Trimestralmente trocava de carro, por isso recebeu, sem saber, a alcunha de "Bá Carro", ele próprio fazia troça consigo mesmo pensando que estava a abespinhar os colegas. Adorava cerveja à neve e amava a mulherada saborosa. As peripécias do tio Augusto podiam ser traçadas num triângulo piramidal: corrupção como cereja no topo do bolo, cerveja sagres para esquentar a excitação e a catorzinha para pagar a culpa que o corpo ajustadinho e perfeito cometia aos olhos alucinantes de Bá Carro.

A corrupção não era um bem dele, nem dele tão pouco dependia, mas da classe profissional a que pertencia, despachante. Era o sistema nacional que favorecia a desorganização organizada da corrupção, porém se fosse no campo da matemática ou da física o sistema podia ser internacional, infelizmente é nacional. Que Deus nos acuda dessa praga da independência.

O tio Augusto era tão profissional, que era capaz de corromper qualquer pessoa que se cruzasse no seu caminho. Às vezes, onde não existia a necessidade de mentir ao mundo, mentia para agradar-se a si mesmo, porque a sua profissão assim exigia e ele respeitava o profissionalismo, religiosamente.

Uma vez, Nhu Bás ordenou aos seus funcionários que só com a sua assinatura e comando, as mercadorias poderiam sair do Porto de Bissau. Esta ordem entrou numa orelha do tio Augusto e saiu pela outra. Ele entrava no Porto com uma firmeza no olhar e segurança nas palavras e dizia que o Chefe lhe tinha mandado retirar contentores. No fim da operação, distribuía repuxadas e amêndoas aos que podiam impedir a retirada da mercadoria dos seus clientes, comprando assim, facilidades para o dia seguinte.

No mundo da cerveja e das catorzinhas, o episódio de Bula era especial. O Bá Carro tinha acabado de estrear o seu Audi A3, cor de vinho, pneus desportivos e para avaliar a sua velocidade, convocou os seus amigos para irem a Bula, a um workshop da Sagres, que rapidamente motivou a rapaziada. Contudo, o tio Augusto despediu-se da sua esposa, dizendo-lhe que ia fazer uma descarga de contentores em Cacheu.

No regresso, no fusca-fusca, por volta das sete e meia, de acordo com o registo do talão da portagem da Ponte Amílcar Cabral, Bá Carro andou a toque de cavalo de corrida, deixou tudo e todos para trás. Entretanto, em vez de ir diretamente para casa decidiu ir ter com uma catorzinha, a cerveja dava-lhe para a saudade das carnes rijas e a sua mulher era carne congelada, da qual se servia quando não tinha mais nada para comer.

O tio Augusto chegou a sua casa às duas da madrugada, lamentando-se do cansaço da descarga e da viagem, tomou o seu banho habitual da noite e caiu como chumbo, não se sabia se esse sono intenso era resultado da cerveja ou do clímax com a catorzinha.

Mal o galo começou a cantar, a mulher do tio Augusto levantou-se da cama lentamente e foi inspecionar o carro do marido, que estacionado na garagem apertada do lado lateral da casa, continha o talão da portagem, ainda intacto, indicando a hora de entrada em Bissau. Quando Bá Carro acordou, viu a mulher com um pau na mão direita e o talão da portagem na outra, soube imediatamente que a coisa não cheirava bem, mas tentou, em vão, suavizar a esposa com palavras doces: amor espera, vou explicar, querida, mamã...

E ela, terá feito o pau cantar? 

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