Trimestralmente trocava
de carro, por isso recebeu, sem saber, a alcunha de "Bá Carro", ele
próprio fazia troça consigo mesmo pensando que estava a abespinhar os colegas. Adorava
cerveja à neve e amava a mulherada saborosa. As peripécias do tio Augusto podiam
ser traçadas num triângulo piramidal: corrupção como cereja no topo do bolo, cerveja
sagres para esquentar a excitação e a catorzinha para pagar a culpa que o corpo
ajustadinho e perfeito cometia aos olhos alucinantes de Bá Carro.
A corrupção não era um bem
dele, nem dele tão pouco dependia, mas da classe profissional a que pertencia,
despachante. Era o sistema nacional que favorecia a desorganização organizada
da corrupção, porém se fosse no campo da matemática ou da física o sistema podia
ser internacional, infelizmente é nacional. Que Deus nos acuda dessa praga da
independência.
O tio Augusto era tão
profissional, que era capaz de corromper qualquer pessoa que se cruzasse no seu
caminho. Às vezes, onde não existia a necessidade de mentir ao mundo, mentia
para agradar-se a si mesmo, porque a sua profissão assim exigia e ele
respeitava o profissionalismo, religiosamente.
Uma vez, Nhu Bás ordenou aos seus funcionários
que só com a sua assinatura e comando, as mercadorias poderiam sair do Porto de
Bissau. Esta ordem entrou numa orelha do tio Augusto e saiu pela outra. Ele entrava
no Porto com uma firmeza no olhar e segurança nas palavras e dizia que o Chefe lhe
tinha mandado retirar contentores. No fim da operação, distribuía repuxadas e amêndoas aos que podiam
impedir a retirada da mercadoria dos seus clientes, comprando assim, facilidades
para o dia seguinte.
No mundo da cerveja e das
catorzinhas, o episódio de Bula era especial. O Bá Carro tinha acabado de
estrear o seu Audi A3, cor de vinho, pneus desportivos e para avaliar a sua
velocidade, convocou os seus amigos para irem a Bula, a um workshop da Sagres, que rapidamente motivou a rapaziada. Contudo, o
tio Augusto despediu-se da sua esposa, dizendo-lhe que ia fazer uma descarga de
contentores em Cacheu.
No regresso, no fusca-fusca, por volta das sete e meia,
de acordo com o registo do talão da portagem da Ponte Amílcar Cabral, Bá Carro
andou a toque de cavalo de corrida, deixou tudo e todos para trás. Entretanto,
em vez de ir diretamente para casa decidiu ir ter com uma catorzinha, a cerveja
dava-lhe para a saudade das carnes rijas e a sua mulher era carne congelada, da
qual se servia quando não tinha mais nada para comer.
O tio Augusto chegou a
sua casa às duas da madrugada, lamentando-se do cansaço da descarga e da
viagem, tomou o seu banho habitual da noite e caiu como chumbo, não se sabia se
esse sono intenso era resultado da cerveja ou do clímax com a catorzinha.
Mal o galo começou a cantar,
a mulher do tio Augusto levantou-se da cama lentamente e foi inspecionar o
carro do marido, que estacionado na garagem apertada do lado lateral da casa, continha
o talão da portagem, ainda intacto, indicando a hora de entrada em Bissau.
Quando Bá Carro acordou, viu a mulher com um pau na mão direita e o talão da
portagem na outra, soube imediatamente que a coisa não cheirava bem, mas
tentou, em vão, suavizar a esposa com palavras doces: amor espera, vou explicar, querida, mamã...
E ela, terá feito o pau
cantar?
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