DR. LASSANA MANÉ
O barulho
em Bissau a propósito dos preparativos da mesa redonda com doadores em Bruxelas
prevista para o dia 25 de Março de 2015 e a forma como o projeto foi
apresentado ao povo guineense, deixou-me muito inquieto e
preocupado. Enquanto economista e analista financeiro, vim expor a minha
preocupação com o único objectivo de convidar a todos os guineenses a uma
reflexão profunda e exaustiva quanto aos reais impactos da dívida que o país se
prepara para contrair para o seu crescimento económico.
À primeira
vista, a iniciativa parece louvável, imperativa e extremamente urgente para
tirar o país da difícil situação em que se encontra. Mas na verdade, o governo
vai negociar dívidas e não donativos, dívidas essas que escondem aspectos que
podem prejudicar muito o país a longo termo, se as condições de base não forem
criadas para permitir a sua utilização na criação de riquezas que
rentabilizarão o dinheiro emprestado e permitir o seu reembolso.
Baseando
nas experiências passadas no uso dos créditos concedidos à Guiné-Bissau, eles
permitiram o financiamento de poucos projetos e de curta duração sem criação de
grandes empregos, com impacto muito limitado na economia nacional e na melhoria
de qualidade de vida do cidadão comum. Como os créditos são concedidos, em
geral, com taxas de juros variáveis, não fixos, e que os credores gozam de
prerrogativas que lhes permitam aumentar os juros sem pré-aviso a qualquer
momento, os custos acabam por ser nove ou dez vezes superiores aos benefícios.
A dívida
por si só, sem estruturas e políticas bem estabelecidas previamente nunca
contribuirão para o crescimento económico na Guiné-Bissau.
Em
princípio, a obtenção de um crédito deve permitir o país investir, financiando
o desenvolvimento das suas próprias infraestruturas e das suas forças
produtivas em geral para a criação de riquezas. Graças a esse desenvolvimento,
o país poderá reembolsar a sua dívida.
Mas essa
lógica, infelizmente, se perde rapidamente depois do desbloqueamento das verbas
devido ao alto nível da corrupção e da má governação.
Podemos
definir a corrupção como um ato que consiste em oferecer certas vantagens e
privilégios a um grupo de pessoas no uso de bens públicos para os fins
pessoais.
Uma boa
governação é necessária para a criação de estruturas e mecanismos que
possam permitir o uso estrito da dívida na razão pelo qual foi contraída e
garantir o bom funcionamento do governo. Ela permite também o estabelecimento
de uma ética na gestão rigorosa de bens públicos.
A falta
dessas estruturas e mecanismos de controle expõe o país a um risco muito
elevado de desvio de fundos.
Infelizmente,
os doadores não fazem papel de fiscalização na utilização do crédito concedido.
Na verdade, não têm interesse de o fazer porque na realidade, o desenvolvimento
e a autonomia económica dos países que procuram o tal crédito são contrários
aos seus interesses, pois representam um mercado muito lucrativo e essencial
para as suas economias locais e na extensão das suas zonas de influência.
Se assim
for, o produto da dívida nunca será utilizado para os seus fins e acabará por
custar extremamente caro ao país. Como o dinheiro não foi utilizado para a
criação de riquezas, o governo terá que utilizar outros recursos do país para o
reembolso da dívida, privando a população o uso desses recursos para o seu
desenvolvimento.
Os
serviços da dívida, reembolso do capital e pagamento dos juros, acaba por
absorver uma boa parte do PIB (produção nacional do país durante um período
dado, normalmente anual). Os aumentos das taxas de juros fazem com que a dívida
em vez de diminuir, aumenta, dificultando assim o seu o reembolso rápido
e causa pobreza agudizado do país.
Quando o
país não está em condições de pagar, ele se encontra numa posição de alto risco
e os doadores impõem uma nova dívida para pagar a dívida inicial. Como o risco
é mais elevado, as taxas de juros aumentam de maneira exorbitante para cobrir o
risco dos credores e acaba por agonizar muito mais o País.
Muitas
vezes é o FMI, parceiro multilateral, que faz o papel de credor da última
instância para salvar o país, mas com muitas condições e medidas de
austeridades que obrigam o governo a reduzir as suas despesas públicas
(serviços de hospitais, escolas e outros serviços sociais importantes para a
maioria da população, sobretudo a classe desfavorecida) ao mesmo tempo,
exigem o reforço dos serviços de segurança (forças armadas e polícias)
pois são serviços essências para garantir a segurança dos seus investimentos.
A falta
de serviços sociais e de emprego, constitui a miséria e humilhação das
populações desfavorecidas, criando a angústia e o desespero. Para salvar a cara
do país perante a pobreza extrema da população, os imigrantes são chamados para
participar financeiramente, enviando constantemente dinheiro para assegurar a
sobrevivência dos familiares.
Assim, a
dívida externa acaba por reagir como um CANCRO SEM CURA. Ela, a dívida, aumenta
sem parar e o tumor maligno, neste caso o “cancro” da dívida, acaba por impedir
a população de sair da miséria, conduzindo-a para uma agonia ainda maior.
Para
melhor compreender os desafios e os jogos à volta dos financiamentos para o
desenvolvimento, é necessário conhecer os grandes atores e os seus
interesses.
Podemos
classificá-los em três grandes grupos:
•
Doadores Multilaterais, FMI e Banco Mundial
•
Doadores Bilaterais, compostos por diferentes Estados
•
Doadores Privados, Bancos e sociedades de investimento
Cada um
desses atores utiliza o dinheiro dos contribuintes dos seus países respectivos
ou das suas instituições com objectivos bem claros e acentuados nos seus
próprios interesses, ignorando totalmente as reais necessidades do país que
solicita o financiamento. Por exemplo, são eles que decidem o projeto a
financiar, a modalidade do pagamento, o período de amortização da dívida, as taxas
de juros, o montante a emprestar, etc.
O FMI e o
Banco Mundial têm uma ideologia predefinida da economia que muitas vezes não
são compatíveis à realidade e à necessidade económica do país e as suas
políticas são elaboradas e decididas na sua sede em Washington (EUA) e impostas
a todos os países. Eles exigem o respeito integral dos termos dos contratos
estabelecidos na concessão de crédito sem nenhuma margem de manobra para o
país. Por exemplo, se os termos de contrato são de dez anos, mas que o país
depois de cinco anos quer reembolsar integralmente a sua dívida, eles recusam e
o país tem que continuar a pagar os juros durante dez anos, mesmo se o podia
limitar em cinco.
A Dívida
Externa e as Realidades Nacionais
Na
realidade, a dívida dos países em vias de desenvolvimento só beneficia dois
grupos de pessoas: os Doadores e a Elite Política.
•
Os doadores, na procura de lucros e benefícios astronómicos,
impõem ao país condições severas. Os governos devem pagar para as suas
dívidas, as taxas de juros seis a sete vezes superiores às taxas de juros
praticados no mercado financeiro. E não ficam por ai: impõem também outras
condições que lhes permitam um controlo quase total dos recursos naturais e das
riquezas do país.
•
A elite política se enriquece instantaneamente com o dinheiro
emprestado e é protegida pelos próprios doadores enquanto ela protege os
interesses dos emprestadores.
Assim, a
elite política fica mentalmente e economicamente dependente e as suas políticas
internas e externas são inteiramente ditadas pelos “decretos” e
interesses dos países doadores. Mas, apesar de tudo, os políticos continuam a
proferir discursos bonitos e patrióticos perante o povo.
Assim, o
endividamento é utilizado pelos credores como instrumento de dominação política
e económica, como se fosse uma nova forma de neocolonialismo, com uma máquina
poderosa que faz muitos dos seus trabalhos sem que a presença física seja
necessária.
Daí que
seja preciso uma análise profunda com debates sérios à volta dos projetos
a serem financiados e os seus impactos reais a curto, médio e a longo termo
para a economia nacional.
A
principal condição necessária para um crescimento económico é a criação de um
sistema incitativo de produção. E, para que isto aconteça, três estruturas são
necessárias para a sua criação:
1)
Mercado
2)
Direito de propriedade
3)
Moeda/Dinheiro
O mercado
permite trocas de informações e comercialização de produtos entre vendedores e
compradores. Os preços praticados enviam sinais aos atores comercias, criando
incitativos para aumentar ou diminuir a produção. Mas, o mercado não pode
funcionar muito bem sem que o direito de propriedade seja protegida e sem
a moeda para facilitar a troca de produtos.
O Direito
de propriedade é um conjunto de leis e de regulamentos que protegem a detenção
e a utilização de bens e meios de produção (i.e. terrenos, edifícios, máquinas,
etc.). Quando é bem estabelecido e respeitado, ele permite assegurar as pessoas
que os seus bens não serão confiscados e que em casos de problemas poderão
recorrer à Justiça.
Depois de
estabelecimento do sistema incitativo, a maneira mais simples de atingir
o crescimento económico é de especializar a produção do país nos domínios onde
ele tem vantagens comparativas. Com a especialização, o país aumenta a sua
produtividade, cria mais empregos e os cidadãos podem adquirir todo tipo de
bens e serviços a custos mais baratos graças ao fruto do seu trabalho.
Quanto
mais uma economia é especializada, mais o PIB real de cada habitante aumenta e
o seu nível de vida também.
Só assim
podemos atingir um crescimento económico sustentável, mas não com as dívidas.
Compreendo
perfeitamente que o país precisa de construir infraestruturas, barragens
elétricas, estradas, escolas, instalações portuárias, hospitais, e o governo
deve decidir os meios a financiar os seus projetos.
Das
múltiplas possibilidades (i.e. Imposto por meios de fiscalidade progressiva,
emissões de títulos governamentais aos investidores, exploração e
transformações dos recursos naturais), o mais fácil e rápido é a dívida.
É claro
que nenhum país do Mundo pode desenvolver sozinho sem parceiros internacionais,
mas os acordos de cooperações devem permitir o país de desenvolver a sua
economia local numa perspectiva onde todos ganham e ninguém domina o outro.
Se o governo
da Guiné-Bissau pautar mesmo na dívida, como a única solução de financiamento
do seu plano estratégico de desenvolvimento, pode optar para um financiamento
mais barato e mais acessível com os países emergentes como a China, a Índia, a
Rússia, o Brasil que dão créditos sem juros ou com juros muitos inferiores ao
“credor tradicional” e permitem (os países emergentes) a transferência de
tecnologias barata e eficiente sem ingerência nos assuntos internos do País.
Esses países atravessaram o mesmo caminho e as mesmas dificuldades que estamos
a enfrentar, alguns sofreram colonialismos e as guerras civis, e conhecem
melhor as nossas realidades e necessidades. Igualmente, os países
emergentes não condicionam o crédito para criar uma dependência e nem decidem o
projeto a financiar e baseiam as suas decisões nas necessidades reais de cada
Governo. O modelo económico da China, por exemplo, pode muito bem ser aplicado
na Guiné-Bissau em vários aspectos.
Tenho a
impressão que o projeto da mesa redonda foi apresentado ao povo guineense como
um projeto de “salvação nacional” e o governo está desesperadamente determinado
no seu sucesso e canalizou toda a sua energia e os seus recursos na sua
materialização, ao invés de preconizar profundas reformas que possam permitir a
boa governação e a nação de andar com os seus próprios pés, criando a sua
própria riqueza com os seus próprios recursos a fim de diminuir
progressivamente a dependência do país ao exterior.
Tenho
conhecimento de muitos projetos de reformas que estão a ser implementados no
país neste momento sem resultados visíveis, que mostram claramente a vontade do
governo, mas essas reformas precisam de ser terminadas antes da obtenção do
crédito, porque vão garantir o bom funcionamento do aparelho de Estado e permitir
o bom uso do crédito. Como diz o ditado guineense, “ No ka pudi kurri i kossa
djudju ao mesmo tempo”.
Mas, como
já estamos muitos avançados para a mesa redonda sem as estruturas de base
sólida, temos que assegurar pelo menos o funcionamento rigoroso do TRIBUNAL DE
CONTAS e outras estruturas que poderão permitir a fiscalização dos fundos que
serão concedidos ao país.
Convido a
todos os partidos da oposição a jogarem o seu papel, a imprensa (rádio,
jornais, televisão, blogues e redes sociais) e a população civil em geral a
serem muitos atentos e vigilantes no comportamento e atitude do Governo, depois
da mesa redonda, no uso de fundos a serem aprovados ao país.
Chegou a
hora de se afirmar e de contar com os nossos próprios meios para sair
progressivamente da posição delicada de dependência. é essa a dependência que
nos bloqueia e nos retira a liberdade e a dignidade duma nação soberana.
Para além
de merecermos ser uma nação próspera como qualquer outra do mundo,
o povo guineense merece igualmente ser tratado com muito respeito, carinho
e honestidade por parte dos que dirigem o seu destino. Já foram muitos
anos de traição e de sofrimento, mas ele foi sempre paciente e humilde. Mas,
este Povo já deve estar cansado de ouvir discursos patrióticos e bonitos e
de ler relatórios bem escritos. Este Povo agora só quer ver resultados
concretos com incidências diretas e imediatas nas suas vidas quotidianas e no
futuro da sua nação, a Guiné-Bissau.
Lassana
Mané | lasmane@gmail.com
Montreal,
Canadá
Há muitas ONG que ajudam a Guiné Bissau e fazem doações quer em espécie quer em materiais necessários ao desenvolvimento do Povo,sem quererem qualquer retorno. O governo Guineense deveria elaborar uma lista das necessidades mais prementes ás ONG s como a Ajuda Amiga ,Viver 100 Fronteiras, Missáo Dulombi ,Missao Sorriso,
ResponderEliminarTodas elas trabalham e angariam donativos a título gratuito e a única coisa que esperam em troca é Amizade é o respeito que todas estas ONGs merecem.
ResponderEliminarPortanto ajudem-nos a Ajudar