Dr. Selo Djalo
A 30 de Junho de 2014 escrevi uma carta à Directora Geral da Televisão da Guiné-Bissau (TGB), Paula Melo, a pedir dispensa de duas semanas para que pudesse concluir as aulas que andava a ministrar a professores do ensino básico, no âmbito de um programa que visa melhorar o sistema de ensino da Guiné-Bissau, a cargo de uma ONG estrangeira. Como era um caso de emergência, não aguardei pela devida autorização. Também a TGB não pagava (devia aos jornalistas contratados, que era o meu caso, cinco ou seis meses de salário, e como se fosse pouco, paga uma miséria - setenta mil francos cfa, cerca de cento e poucos euros - e é-se obrigado a passar um tempão na estacão, mais por falta de meios e desorganização. Na semana de coordenação é ainda pior - Os jornalistas estão divididos em grupos de cinco. Cada grupo tem de coordenar uma semana inteira, isto é, de segunda a domingo, o que implica um dispêndio de tempo sem fim, e o jornalista não recebe mais por isso). Dias volvidos, o responsável pelos Recursos Humanos manda chamar-nos, eu e Moisés, (um colega jornalista com quem ingressei na TGB no mesmo dia) para nos entregar a cada um a sua respectiva carta de rescisão. Assinamos sem mais aquelas. Despedimo-nos dos poucos colegas que se encontravam na redacção e partimos para outra, como se costuma dizer. Motivos da rescisão, segundo a carta: "dada a exigência do Ministério da Comunicação Social e das dificuldades financeiras com que se depara a TGB, outro pelo incumprimento reiterado dos seus deveres por parte do contratado". Ainda no dia da rescisão, à tarde, a Directora Paula Melo telefona-me a dizer que o responsável pelos Recursos Humanos não nos devia ter chamado antes de ela se reunir connosco. Que a desculpássemos e passássemos por lá para conversarmos. Que a decisão de nos mandar embora cumpria tão-só com as exigências e pressões do Ministério no sentido da redução do pessoal. Não é que poucos dias depois do nosso despedimento (nós que , em dois anos de casa, nunca conhecemos um único processo disciplinar), a DG Paula Melo recrutava dois estagiários para reforçar a redacção (sendo um deles um ex-aluno meu da Universidade Amílcar Cabral)! Veja-se a contradição: a DG Paula Melo manda-nos embora por excesso de pessoal e dificuldades financeiras para logo ir buscar dois estagiários para, por assim dizer, nos substituir. Esta é boa! Em boa verdade, o Ministério da Comunicação Social nunca procederia desta forma tão falha de coerência para emagrecer (resta saber como se emagrece um palito) uma casa que clama por mais quadros, sobretudo de qualidade. O mínimo que faria lançaria um concurso. Quanto à segunda razão invocada para a rescisão, (repare-se bem, segunda, não a primeira. Uma espécie de sacudir a água do próprio capote para parecer um anjinho) "por incumprimento reiterado dos deveres", não passa de pura ficção, cujas motivações me escapam de todo. Basta atentar-se no número industrial de peças que produzi ao longo dos dois anos. E quem me conhece sabe que só uma pessoa responsável. Outra contradição: como é que uma patroa que não paga salários meses a fio acusa de incumprimento reiterado de deveres ao seu subordinado que não tira os pés do local de trabalho e faz o seu trabalho da melhor forma que sabe e pode?! Não pagar salários meses e meses e de forma sistemática não constitui uma grave violação do contrato e do direito do trabalhador?! Por amor de Deus. Contudo, a DG que até aí se vinha escudando atrás do Ministério para parecer, aos olhos de um incauto, como a boa da fita, deixa cair a máscara, sem se dar conta, note-se, na sequência da carta que lhe endereçamos a 8 de Setembro, a reclamar o pagamento do mês de Agosto, uma vez que o artigo 3 do Contrato de Prestação de Serviço, estatui que "a rescisão do contrato será comunicada por escrito a contraparte , com o aviso prévio de um mês", ficou por observar. A resposta chegaria através do assessor jurídico, Victor Imbana. Na carta datada de 22de Setembro , o assessor faz-nos saber que a nossa reclamação carecia de fundamento, evocando as seguintes razões: «1 - A rescisão em questão deu-se conforme ficou explicita na nota que lhes foi entregue por motivos de incumprimento de contrato da vossa parte , ou seja, os senhores não faziam trabalhos para os quais tinham sido contratados. 2 - Na rescisão com justa causa, como é o vosso caso, não se exige a comunicação nos termos do art.8, n° 3 do Decreto n° 30 A /92, de 30 de Junho que diz que a Administração fica desobrigada do pré-aviso e do pagamento da importância referida no n° 1 do presente artigo, desde que a rescisão do contrato tenha por fundamento a violação de deveres por parte do contrato que inviabilize a relação. 3 - Com base no exposto, sai indeferida a vossa pretensão e em consequência não serão pagos o mês de Agosto em questão.» O alegado "incumprimento reiterado dos deveres profissionais", como referi acima, não passa de uma inverdade incompreensível. E a invocada "rescisão por justa causa", uma figura que não existirá, de acordo com alguns entendidos na matéria, existindo, isso sim, "despedimento por justa causa", é, no mínimo, ridícula. Que moral tem a DG da TGB Paula Melo, para exigir cumprimento de deveres, se não paga e não quer saber da sorte de alguns dos seus profissionais?! Falo por mim. Certa vez adoeci. Muitos colegas se apiedaram de mim, menos ela. Pedi-lhe, por escrito, dinheiro emprestado, no valor de 50.000 xof, para poder ir ao médico e ter comida em casa, Já que não sabia o que era receber ordenado. Nem se dignou responder a carta, quanto mais fazer caso do pedido. Sempre que ia ter com ela , dizia-me, invariavelmente, para aguardar. Certo dia, perguntou-me de repente: "anta bu ka recebi?" (Então, não recebeste?) Estava a referir-se a 15.000 xof que havido recebido na antevéspera para fazer uma cobertura jornalística relativa às últimas eleições legislativas e presidenciais. Logo eu que precisava de 50.000 xof! Infelizmente, quem perde com este tipo de gestão da coisa pública é a TGB, em particular, e o país, em geral. Para que se saiba, quando vesti a camisola da TGB não andava desesperado por emprego, pelo contrário. Recusei, por ser contra o Golpe de Estado de 12 de Abril, um salário, de quase 170.000 xof, com que um ministro do Governo de Transição me queria brindar para ser seu assessor de imprensa. Revelo isto, não para me gabar, mas, para desfazer equívocos. Não andarão longe da verdade os que acreditam que para conhecer um guineense nada melhor que dar-lhe o poder. O meu despedimento, para lá de não fazer sentido nenhum, peca por precipitada, uma vez que já estava de saída da TGB e do jornalismo. Os meus alunos poderão confirmá-lo.
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