quinta-feira, 20 de novembro de 2014

OPINIÃO: «O ÚLTIMO DESEJO»




O último desejo

Todo mundo fala de boca cheia dizendo "o que eu quero ter é isso, é aquilo, é não sei o quê ou é fazer sei lá o quê". Os desejos são sempre diferentes: variam de pessoa a pessoa e de ambição a ambição, dependendo da circunstância e da oportunidade, que o contexto determina.

Quando fui ter com o responsável da Câmara Municipal de Bissau (CMB), ele achava que eu fosse uma pessoa que tinha parafusos a menos na cabeça e precisava de umas roscas para parafusar a minha tontaria. Efectivamente, era o que me faltava. Para ele, é impossível que uma pessoa sã e lúcida tenha vontade de abordar assunto desse género, mas onde está o problemas? Entretanto, para livrar da minha doidice (assim pensa ele), prometeu tratar os devidos documentos necessários para que eu possa ter um espaço próprio e receber uma cerimónia nobre, porque assim saciava a minha vontade.

Ora bem, o meu desejo era estranho, sei disso muitíssimo bem, mas era o meu sonho, nunca na vida nenhuma duvidaria do desejo de alguém até ao ponto de achar que fosse uma doidice ou tontaria. O desejo é uma vontade, que normalmente pertence a uma pessoa. O meu pertence a mim e diz respeito a minha vontade de vê-lo a concretizar, embora seja difícil ver a realização dessa aspiração. Mas atenção, é concretizável.

Na verdade, eu queria simplesmente que o responsável da CMB tratasse das papeladas e pôr tudo em ordem, definir o meu espaço eterno e no dia certo, no dia que Deus me ajude a concretizar o meu sonho, ele teria apenas o trabalho de preencher a data. Só a data. Fiz essas diligências, porque não quero dar trabalho a ninguém sem pagar o serviço que me preste, porque se a minha vontade viesse a realizar não teria a oportunidade de gratificar alguém pelo serviço prestado a mim, ou por outras palavras, ao meu cadáver.

Como já foi dito, a última coisa que eu quero que a minha vida me ofereça, o meu sonho maior, para que eu possa morrer na paz e sentir-me como um homem realizado, nessa vida curta que temos, é ver esse meu desejo a concretizar, porque é o meu último, contudo é o maior sonho que eu tive durante toda essa minha caminhada. Espero que no dia da sua concretização o mundo esteja preparado para amparar o meu cadáver e acompanhar o meu corpo para a sua última morada.

Parece estranho, mas não esqueçam que é o último desejo e só deve acontecer quando todos os meus sonhos se realizassem, porque esses são menores e a minha vontade maior acontecerá depois de tudo. Morrer. Morrer a morte, já que não tenciono ser finado. Morrer a morte de Deus esse é o meu último desejo, só assim consiga viver a vida do além, permanecer o meu espírito lá no céu para salvaguardar os interesses nobres dos meus filhos, aqui na terra.

E que a minha alma descanse no coração da minha senhora, em paz e no amor eterno do
vosso reino, Senhor. Amém!

Aquele abraço de saudade do Porto,


A. VeraCruz

1 comentário:

  1. Excelente! A forma burocrática de tratar o último desejo escandaliza ainda pela frieza das instituições.A abordagem irónica do texto, demonstra a perspicácia do autor, perante a condição única e individual da morte na sociedade atual.

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