Fundação Mário Soares, Lisboa, 10 de Setembro de 2014,
Sua Excelência Senhor Presidente da Assembleia Nacional Popular, Eng. Cipriano Soares Cassama
Sua Excelência o Senhor Dr M´Bala Fernandes, Encarregado de Negócios da Guiné-Bissau em Portugal
Excelentíssimo Senhor Dr. Alfredo Caldeira, Secretário Geral da Fundação Mário Soares
Distintos Convidados
Caros colegas oradores
Amáveis compatriotas e amigos da Guiné-Bissau
Estamos hoje reunidos nesta fundação que tem o nome de um distinto combatente pela liberdade, Dr. Mário Soares que congrega no seu seio o maior acervo de documentação sobre a Guiné-Bissau assim como dos outros países dos PALOP e quiçá da CPLP.
O objectivo do encontro é recordar o 10 de Setembro de 1974, data do reconhecimento da independência da Guiné-Bissau pelas autoridades democráticas portuguesas instaladas no seguimento do golpe de estado de 25 de Abril, a Revolução dos Cravos que criou as pontes para um novo relacionamento entre Portugal e as suas antigas colónias.
É conhecido da História, que a Guiné-Bissau graças a uma luta gloriosa e bem-sucedida, superiormente dirigida por Amílcar Cabral, chegou à independência a 24 de Setembro de 1973, após um longo processo que incluiu para além da luta armada, a luta política, a luta diplomática bem assim como a luta pela emancipação em várias outras frentes e dimensões, como sejam a luta contra o analfabetismo, contra a fome e a pobreza, a doença e outras áreas do subdesenvolvimento para criar na terra dos nossos avós, como diz o Hino Nacional, uma pátria onde reine a paz, a justiça, a liberdade, o progresso e o desenvolvimento.
A minha contribuição para este evento organizada no quadro das festividades do Setembro Vitorioso (a 12 festeja-se o nascimento de Amílcar Cabral, a 19 comemora-se a fundação do PAIGC, a 23/24 trata-se de recordar a Proclamação do Estado, e a 10 festeja-se o Reconhecimento tardio do Estado por parte de Portugal, quando mais de 80 Estados o tinham feito). A minha contribuição vai ser um tipo de conversa em torno de alguns factos históricos e relatos sintéticos de episódios inéditos, ao longo do meu percurso de vida de simples cidadão, de político e de governante mas igualmente de diplomata, de funcionário internacional e sobretudo de combatente de liberdade da pátria (CLP), estatuto que foi atribuído pela República da Guiné-Bissau a todo aquele militante do PAIGC e cidadão nacional que participou na luta pela libertação nacional, qualquer que tivesse sido a sua responsabilidade, quer nas fileiras das forças armadas e de segurança como também no quadro da educação, da saúde ou doutras áreas relevantes da reconstrução nacional, até 24 de Abril de 1973. Muitas vezes confundiu-se, talvez propositadamente, o conceito de CLP a ponto de se ter querido dar esse estatuto àqueles que participaram no conflito (armado) de 7 de Junho. Opinião polémica? Certamente! mas essa é a minha porque, não me parece que estivesse em causa a libertação da pátria nenhuma nessa ocasião.
Nascido nos meados da Segunda Guerra Mundial, tive o privilégio de viver e conhecer a Guiné colonial e constatar pessoalmente, as carências de uma colónia pobre (mas potencialmente rica como se começa a perscrutar no horizonte), uma colónia onde existiam poucas escolas e hospitais onde, para fazer exames de fim do ciclo primário, 4ª classe da instrução primária, tive que fazer uma viagem entre Bambadinca e Bafatá, sede da Administração do Concelho, num dos poucos camiões que participavam da campanha agrícola. Naquele então, para gente como a minha família que, tendo vivido na cidade capital, tinham adquirido hábitos “burgueses”, eu jovenzito tinha que desbravar a mata, à procura de vagens de uma planta chamada “padja santa” donde se retiravam umas pequenas sementes que, depois de secas, torradas e esmagadas, davam uma farinha que servia para preparar o delicioso substituto do café. Em especial a minha mãe, não dispensava uma chávena de “café”, cedo pela manhã, senão sofria de horríveis dores de cabeça. Fiquei vacinado por essa dependência da minha mãe a ponto de excluir o café da minha dieta, por não o apreciar e pelos seus efeitos colaterais.
Tinha-se por vezes que esperar um mês para a reposição do stock do café. Situação semelhante, de carência absoluta, experimentei ainda de forma mais grave quando, já nas fileiras do PAIGC, estive destacado em Madina do Boé, Kembra, primeiro como estagiário militar e depois como Director do Centro de Instrução Político-Militar (CIPM), cujo abastecimento provinha da sede central do PAIGC, instalado em Conakry. No CIPM que, salvas as devidas proporções seria a nossa Academia Militar, recebíamos regularmente mancebos provenientes das zonas libertadas, dos pequenos centros urbanos, de zonas ocupadas, dos países socialistas e posteriormente e cada vez mais da capital e dos grandes centros urbanos de todo o país, à medida que o cerco aos agrupamentos portugueses se tornava mais asfixiante. Nessa estrutura cuja importância era enorme, tínhamos instrutores constituídos de militantes com boa formação política e académica tais como o Corsino Tolentino, Arnaldo Araújo, Avelino Sousa Delgado, Domingos Teixeira, Malam Corbo, entre outros, como dirigentes e formadores acompanhados de quatro instrutores cubanos. A partir de 1972 começamos a enviar fornadas regulares de jovens formados nos nossos centros (destaque-se Sandji Fati, Afonso Té, Fodè Cassama, Luciano Cordeiro, etc.) suprindo quase por inteiro as necessidades crescente de “técnicos” nas frentes de combate, para o manejo de armas mais sofisticada tais como a katchusa e a estrela, armas temidas pelos quarteis e pela aviação portuguesa, a ponto de a guerrilha ter tomado conta das iniciativas de comando das operações ofensivas, em todo o território nacional. Claro que continuavam a vir gente formada nas academias dos paìses socialistas. Para a leitura correcta da História, é preciso saber que nem sempre o desespero, como foi o caso do assassinato de Amílcar Cabral, trouxe a solução do problema dos Generais Spìnola e Bettencourt. Pelo contrário, a morte do nosso líder imortal, reforçando o vigôr e a determinação para realizar as metas e objectivos traçados para a conquista da independência nacional e chegar a Bissau, foram estimulados pela mística que o nome de Bissau jogava na mente dos combatentes, um papel de mobilizador incomparável e de sonho quase inatingível. Impunha-se vencer o adversário tanto mais que ao assassinaram Amílcar Cabral que nos ensinava que tínhamos que vencer o inimigo colonialista enquanto que deveríamos estabelecer num futuro próximo as melhores relações com o bom povo de Portugal, o efeito conseguido pela violência colonial foi exactamente o contrário do esperado.
Abro um parêntesis para recordar a fuga para a liberdade que eu e a minha esposa fizemos e que deveríamos encontrar-nos em Paris com o saudoso e intrépido Filinto Barros, meu colega da direcção da clandestinidade em Lisboa, com o Corentino Santos e Hugo Borges que tinha avançado para Conakry um ano antes. No aeroporto de Conakry qual não foi a nossa surpresa quando o Batch, oficial do Protocolo do PAIGC nos disse que aguardássemos um pouco porque o Victor Freire Monteiro. Oh clandestinidade a quanto obrigas. Eu e Victor Monteiro éramos o Secretário Geral e o Presidente de uma associação que criáramos para despertar os guineenses a se consagrar pela libertação do país. Fecho o parentisis.
O assassinato ocorreu num momento que, como dizia Amílcar Cabral numa reunião magna em Ratoma, Conakry, que a luta da libertação tinha atingido uma dimensão tal, que só de dentro se poderia destruí-la. Foi o que o inimigo tentou fazer, arquitectar a partir de combatentes descontentes e de enviados do governo colonial, o acto ignominioso de assassinato a fim de obstaculizar a vitória do PAIGC, que era iminente e irreversível. O desaparecimento físico, como ele mesmo dizia na reunião acima referida, não impediria a prossecução da luta dado que, se Cabral morresse outros Cabrais se ergueriam, para continuar a obra, que jamais Cabral reclamou como sua, falando sempre no plural, em nós.
Apesar do desaparecimento físico de Cabral, a luta progrediu inexoravelmente porque todas as acções prévias à Proclamação do Estado estavam a ser minuciosamente preparadas e realizadas no terreno, no decurso de 1972.
A morte de Amílcar Cabral atrasou de alguns meses a concretização do sonho. Foi talvez nesse quadro que deixei a responsabilidade de Director do CIPM para integrar a equipa que, na Escola Piloto, preparava o material de informação, ornamentação e propaganda que seria levado para Madina do Boé. Os tugas sabendo que se preparava o acto de proclamação para o Sul, destruíram a jangada de ligação ao sul, em Bedanda. A direcção do Partido alterou o itinerário e o local do evento, que manteve no mais rigoroso segredo. Eu e muitos de nós, de nada sabíamos.
Salvo erro, a 21 de Setembro eu, a Francisca Pereira, o Fidélis Cabral de Almada e uma vintena de dirigentes e responsáveis, fomos levados para o aeroporto de Conakry com o fim de efectuar uma viagem para Boké com todo o nosso material, armas e bagagens. Sabíamos vagamente que seria para efeitos do evento em preparação mas, não era para o sul a proclamação? Porquê razao então ir para Boké?? Será certamente em Madina do Boé então! Quando no dia seguinte tomamos a direcção de Kundara, creio que as interrogações aumentaram e o número dos interrogantes também. Passamos pela ponte de Cogon, situada no fundo de um desfiladeiro (onde infelizmente dois deputados eleitos encontrariam a morte no dia seguinte). Prosseguimos viagem e atingimos Venduleide onde pernoitamos. A aguardar-nos estava o “velho” Professor Duarte, com a sua equipa de alunos efusivos e dispostos a começar a trabalhar de seguida. Resfriamos o entusiasmo dos jovens mandando-os dormir após nos servirem um “cuntango” melhorado. Eram 6 da manhã quando o Presidente Luís Cabral me mandou chamar para iniciarmos a ornamentação. Passado uns momentos o Tonton Lourenço acompanhado do Malamdjino Mané, altos dirigentes da segurança me perguntam secamente, o que pensas fazer? Gaguejando respondi-lhes que ia ornamentar o salão de cerimónia ??!! Estás doido ou fazes-te?! Escapuli-me na primeira oportunidade que se me ofereceu, à procura de Luís Cabral, para o pôr ao corrente da pressão da Segurança, que não achava ajuizada a ideia da ornamentação.
Viemos os dois, Luís Cabral e eu e, passado pouco tempo, prevaleceu a autoridade e a notória capacidade de persuasão do Presidente Luís Cabral. À medida que o tempo passava, apareceram várias boas vontades para ajudar na conclusão dos trabalhos de preparação e embelezamento, até que se iniciou a cerimónia solene de abertura de um acontecimento histórico e inédito, a proclamação de um estado em plena luta, com uma parte do seu território ocupado, como fora o caso da França de Vichy.
Seguiu-se rigorosamente o roteiro deixado por Cabral que queria, que o acto da Proclamação do Estado, se fizesse em território nacional e que o executivo a formar não fosse nem provisório nem vivesse no exílio/estrangeiro, à semelhança do que era comum acontecer.
A dimensão de Cabral no plano das relações internacionais
Para Cabral a luta era um todo. Era a formação do homem em todas as dimensões, da alfabetização à ciência, às relações com outros povos ou seja, através da superação constante. Assim, a aprendizagem das letras escritas a carvão vegetal em cartões de embalagem de “lataria” do leite, sardinha e outros, deu o impulso a criação de cursos de alfabetização, onde o professor era aquele que sabia mais. A luta tonou-se uma escola aberta em que aquele que soubesse ensinava ao que não sabia ou sabia menos. Tivemos professores até com a 2ª Classe da primária.
Da boa experiência de alfabetização avançou-se para a criação daquilo que se tornaria a célebre Escola Piloto, alimentada por toda uma cadeia de internatos, semi-internatos e escolas de área, constituindo no seu conjunto, um verdadeiro sistema de ensino/aprendizagem, que serviu de base ao sistema nacional de ensino do Ministério da Educação Nacional e Cultura, que tive a honra e o privilégio de dirigir como 1º Sub-Comissário da Educação Nacional e Cultura, após a completa independência e o reconhecimento de Portugal.
Assim como na educação, nas outras áreas de desenvolvimento, teve que se iniciar, sendo sempre Amílcar Cabral o inspirador e a fonte inesgotável de novos ensinamentos.
Foi assim também nas relações exteriores e na diplomacia em geral. O nosso saudoso líder, um homem culto, atraente e disponível, granjeou muitas simpatias por todo o lado, junto dos seus pares, dos seus colegas começando por Agostinho Neto, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos, Vasco Cabral, Viriato da Cruz, Henrique Tenreiro, para não citar senão estes, que foram os seus companheiros de 1º hora, naquilo que viria a ser conhecido como a reafricanização dos espíritos em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império e posteriormente, na fundação dos seus partidos libertadores.
Graças à argúcia e à determinação de Cabral, como disse atrás, decidiu-se enveredar pela via da proclamação do estado porque, como dizia o slogan nós PAIGC, chegáramos ao ponto de ter um estado soberano com menos de 1/3 do território ocupado por forças estrangeiras, como foi comprovada pela Missão da ONU dirigida por Sérgio Borgia, às Regiões Libertadas em Junho de 1972. Cabral que a partir dos meados dos anos 60, era considerado um autêntico Chefe de Estado, participando activamente nas Cimeiras da OUA, da ONU e doutras instâncias internacionais, difundiu a pretensão de Proclamar o Estado da Guiné-Bissau, bem estudada e fundamentada juridicamente, por uma jurista belga cujo nome não me vem à memória e secundada por José Araújo, Fidélis Cabral de Almada, João Cruz Pinto entre outros. Obtida a aderência desta tese nas instâncias especializadas internacionais Cabral, Victor Saúde Maria, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Júlio Semedo, Onésimo Silveira, Gil Fernandes entre outros, foram encarregues de a divulgar “partout”. Esse procedimento facilitou o reconhecimento quase imediato da independência da Guiné-Bissau por um significativo número de países, desde os africanos nossos irmaos, como seria normal, mas também dos Países Não-alinhados, dos países nórdicos, inclusive de países ocidentais, que eram aliados de Portugal. Essa foi talvez a maior vitória da diplomacia do PAIGC, para completar a vitória no terreno, constatada por inúmeras missões de alto nível que visitaram o nosso país em luta e pela brilhante participação do Chefe de Guerra na Conferência Tricontinental em Habana, Cuba e em muitos outros eventos notáveis onde ele era o convidado de honra, tal a sua dimensão política e intelectual.
Que orgulho e que saudades tenho desses tempos épicos e gloriosos!
Lembro-me do acto da Proclamação do Estado, da sua riqueza e simbolismo, da alegria espalmada em cada rosto, das esperanças suscitadas em todos os corações e particularmente em nós jovens membros do Governo, que sonhávamos de olhos abertos, encarando alegremente a confiança que nos era assim outorgada, como um compromisso a ganhar no dia-a-dia.
Um aparte: Luís Cabral numa conversa em Lugadjol (Luisgadjol como dizia o Dr. Manuel Boal, um excelente médico angolano que a Dra. Lilica Boal gahou para a luta), a 1ª capital do trabalho da Guiné-Bissau, elevou-me o meu astral contando-me que o meu nome aparecia no Executivo e no Parlamento, escrito pelos punhos de Amílcar Cabral, nos seus apontamentos. Quel honneur para o petit Mamadú!!!
Organizou-se um lindo desfile militar no fim da cerimónia de Proclamação do Estado, houve danças tradicionais, discursos eloquentes de deputados, de dirigentes e de representantes de países amigos, no acto solene de Proclamação da primogénita, entre os países dos PALOP que hoje INTEGRAM a CPLP, criada muito certamente sob a inspiração da CONCP. Fecho o parêntesis !!!
Diz o ditado que não há bela sem senão. No fim do acto de proclamação do Estado começo a ver espelhado na cara dos nossos dirigentes um rictus de preocupação. Dirijo-me ao Presidente Luís Cabral que me diz, temos que terminar e abalar, as “estrelas” não estão cá, foram parar a Madina do Boé, onde era suposto decorrer a cerimónia. Para mais, começam a cair as primeiras bátegas de chuva, estamos em pleno mês de Setembro. Foi uma saída catastrófica. Morrer? Jamais! Sobretudo agora, disse para com os meus botões. A poeira dos bruscos movimentos encheu o local de uma nuvem difusa. Quando eu e os jovens membros do Governo procuramos o carro que nos levaria de volta, foi-nos indicado um consistente camião Gaz, soviético. Praguejando, saltamos para a carroçaria e zás, zarpamos!
Durante a progressão, está tudo circunspecto até que João da Costa, Subcomissário de Estado da Saúde começa a limpar a sua bílis, dizendo que é inadmissível que os membros recém-nomeados do Governo viajem em condições tão precárias e desconfortáveis. Os meus colegas do Governo encarregaram-me de, chegados a Boké, reclamar veementemente perante Francisco (Chico) Mendes, o nosso Comissário Principal.
Mal chegados a Boké dirigimo-nos à casa de Chico Mendes. Pedi ao guarda-costas que nos anunciasse. Abre o portão do quintal e…vemos o 1º Ministro acocorado frente a um grade alguidar cheio de roupa suja e molhada a lavar. Fiquei sem jeito! O João da Costa estimula-me a falar. “Camarada Chico Medes, viemos cá para o felicitar pela sua nomeação e dar-lhe garantias de que pode contar connosco. Apresentamos as despedidas e saímos!!! Uma vez cá fora escutei a ira da equipa.
O que queriam que eu dissesse perante a humildade do nosso Primeiro Ministro? Dada a saída imediata de Luís Cabral em missão de Estado, programamos uma visita ao Secretário-geral do PAIGC, camarada Aristides Pereira, sem porta-voz desta vez. Quem quisesse falava para exprimir o sentimento do grupo. O camarada Aristides ouviu serenamente o João da Costa e… nem deixou concluir o 2º interlocutor. “Seus trintões, vocês pensam que isto é uma brincadeira? Vão trabalhar seus malandros. Não há estágios para Ministros!! Que estágio fez Cabral e todos os camaradas para a direcção do partido? Preparem-se porque, cada um deve apresentar o seu plano de trabalho e ir para “dentro”. Cabral disse e bem, que o Governo nem seria provisório nem viveria no exílio.
Terminada a sessão, muitos vieram confidenciar comigo, de que eu é que deveria continuar como porta-voz para apresentar polidamente as nossa preocupações.
A 2 de Setembro de 1973, em Madina Madinga, procede-se à 1ª remodelação governamental. Deixo a pasta de Sub-Comissário de Estado do Controlo Económico e Fnanceiro para substituir o Manuel Saturnino Costa, na Educação Nacional e Cultura. No acto da remodelação recebo as instruções para seguir de imediato para Bissau para poder iniciar o ao lectivo a 1 de Outubro. Meu dito meu feito. Eis-me no caminho de Bissau, um autêntico mar de lama que só foi possível percorrer a longa distância em dois dias, graças a um potente camião Gaz e ao fabuloso condutor que era o Elias. O dia 4 de Setembro estava em Bissau. Mandei recado ao Tenente Coronel Alípio Tomé Falcão, Encarregado dos Serviços de Educação para o avisar que iria tomar posse dos Serviços a 10 de Setembro como fixado de comum acordo entre o Governo Português e o Governo da Guiné-Bissau. Soube o dia aprazado que o Tenente Coronel tinha “fugido”, sem nada dizer e sem sequer indicar quem o substituiria. A Senhora Maria José Moreira, como 2ª Oficial recém-nomeada, como a funcionária mais graduada, a muito custo, explicou em linhas gerais o que ele fazia dizendo desconhecer o resto. Foi assim a pretensa “passação” de serviços
Constatadas as carências enormes em todos os sectores e em especial no domínio de professores e médicos, eu e o meu colega da Saúde, João da Costa, tivemos que ir a Lisboa para solicitar ao governo progressista instalado pelo MFA, para colmatar as necessidades nessas áreas fundamentais. Num encontro com jornalistas, organizada pela COPCON, um jornalista a dada altura pergunta-me: Afinal senhor Ministro, lutara ferozmente contra Portugal e agora vem solicitar a ajuda de professores? Resposta na ponta da língua. Senhor jornalista apesar de terem estado cá cinco seculos, apenas formaram 14 professores primários. Que fazer. Passamos à sala de aperitivos e uma galhofa se instaurou. Lembro-me que o Manecas Rambot Barcelos e o Chiquinho Vera Cruz, foram os mais inspirados. Infelizmente hoje só podemos prestar-lhes uma homenagem póstuma assim como ao meu saudoso colega João da Costa.
Assim começou a construção do edifício da Guiné-Bissau independente. Com 14 professores primários diplomados, com 93,7% de analfabetos. Que milagre se podia fazer sem médicos, sem agrónomos, sem quadros. A urgência era evidente, tudo era prioritário como dizia Luís Cabral no início da sua governação. Havia que deitar mãos à obra. Há um aforismo que diz que, em quarenta anos o PAIGC não fez nada. O que fizeram os portugueses em 528 anos de colonização? Para mim a questão não está aí. O mais importante e saber que todos os nacionais de um país, têm o dever patriótico e moral de dar tudo para ajudar o seu povo a ir para a frente. É impossível um Governo, por melhor que seja, satisfazer todas as necessidades, colmatar todos os anseios. Diz o ditado “cada cabeça cada sentença”. Será que o líder conhece a opinião íntima de cada cidadão? Wiston Churchill dizia que não é importante saber o que o Estado faz por nós, mas sim o que o cidadão dá ao Estado. Aí está a expressão de um pensamento generoso. Qual a sentença da cada um dos seus concidadãos? Não se pode satisfazer o ser humano porque é insaciável por natureza, as necessidades transmutam-se, as épocas variam, a história roda. O papel do Governo é, como fez o nosso durante as recentes eleições, apresentar um Programa Eleitoral, criar estruturas de monitoreio e cumprir o prometido. Quando uma equipa dá provas de cansaço, muda-se, depois de dar oportunidade de respeitar os seus engajamentos com sinceridade e moralidade.
Mesmo evitando de falar das cíclicas destabilizações e mesmo guerra que se produziu no nosso país, usando armas de que Amílcar Cabral proibia o uso para não fazer mal ao nosso povo, tenho que pedir as minhas desculpas, apresentar a expressão da minha vergonha porque se imputou aos veteranos que é dizer aos CLP muitos dos erros e violências praticadas. Sei que nessa categoria de veteranos entra tudo e mais alguma coisa. Por maiores que sejam as razões e há muitíssimas, os CLP e os veteranos em geral, que viveram situações muito complicadas e graves, não deveriam ter participado em acções de destruição do património colectivo, de empobrecimento da riqueza nacional porque afinal prejudicamo-nos a nós mesmos, ao povo no seu todo. Temos sim, que pedir e insistir com os nossos governantes para resolver o pesado fardo dos incumprimentos sucessivos dos Governos, em especial os de Transição, para poder restabelecer a paz dos espíritos e dos corações, a reconciliação tão badalada mas nunca realizada. Temos que nos comparar com os melhores porque temos capacidade para isso. Partimos de um ponto muito baixo, de um país iletrado e não analfabeto como defendia Paulo Freire. Como pode um povo analfabeto fazer uma luta tão maravilhosa, produzir cultura tão sensível, e ter uma civilização tão multicultural e gostosa dizia o mestre da alfabetização se fosse analfabeto. Depois destes anos que fizemos tantas experiências boas e más, que nos digladiámos com ou sem razão, por incompreensões, por invejas, por tchutchim n´tchutchiu, estamos convencidos, meus caros compatriotas e distintos amigos portugueses, que é chegada a hora para arrancarmos. Guiné ranka dja diz o povo e os nossos brilhantes artistas após cada recomeço depois de cada desgraça, de mais uma destabilização porque, a equipa que temos ao leme Hoje, sabe fazer e pode fazer, se fizer pensando sempre no povo, na terra e na Diáspora, e não só no curto horizonte do seu círculo de amigos e familiares.……………………………………………………………………………………………… de 2 a 8 de Abril de 1972, apesar do recurso a todos os meios diplomáticos possíveis para o impedir, deslocou-se à Guiné-Bissau, a convite de Amílcar Cabral e com a aprovação da Assembleia Geral, uma e eliminar uma das maiores figuras das Nações Unidas, com o propósito de visitar as “áreas libertadas”(1). Para Silva Cunha que, nessa altura, se deslocou à Guiné, é quase que certo que a missão não entrou no território “ (...) ou, se o fez, limitou-se a uma pequena incursão numa área restrita, junto da fronteira com a República da Guiné (...)”(2).
O ponto de vista do Governo Português foi expresso pelo representante permanente nas Nações Unidas, em carta ao Secretário Geral, datada de 25 de Março de 1972. O documento considerava que a missão era uma violação nítida do Direito Internacional, pois haveria entrado em território nacional sem autorização do Governo legalmente constituído; protestava com veemência contra o atentado propositado à sua soberania; e declinava formalmente as responsabilidades pelas consequências. O representante permanente considerava que a “(...) decisão de visitar as áreas libertadas das Províncias Ultramarinas constituía mais um acto de propaganda, que servia apenas para aumentar a ilusão de alguns sectores políticos interessados, que se recusavam a admitir que a organização terrorista não controlava parte alguma do território português (...)”(3).
Portugal, entretanto, desencadeou, de 18 de Março a 8 de Abril de 1972 uma ofensiva militar de grande envergadura às áreas a visitar pela missão que, segundo o próprio relatório, se pautou pelo “(...) uso brutal da força militar, numa tentativa de impedir que a missão completasse a sua tarefa, com a consequente perda de vidas civis e a destruição de hospitais, escolas e aldeias, em contradição directa às suas obrigações de Estado Membro das Nações Unidas (...)”(4).
Ainda de acordo com o relatório, a missão especial constatou o poder efectivo do PAIGC sobre as zonas visitadas, colocando em evidência as suas realizações sociais (5); concluiu que, de acordo com os elementos obtidos junto do PAIGC, as áreas libertadas compreendiam mais de 2/3 ou até de 2/3 e 3/4 do território. Facto alegadamente comprovado por variados observadores estrangeiros e jornalistas, segundo os quais era também evidente que a população das áreas libertadas apoiava, irreversivelmente, a política e as actividades do PAIGC, o qual, ao fim de 9 anos de luta militar, exercia de facto e livremente o controlo administrativo nestas áreas e protegia, efectivamente os interesses dos habitantes; concluía-se que o PAIGC era o único e legítimo representante dos interesses do povo da Guiné-Bissau e Cabo-Verde, sendo Portugal considerado como ocupante ilegal do território (6). Estas conclusões tiveram consequências imediatas e de importância considerável, a nível interno e internacional.
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