terça-feira, 8 de julho de 2025

Caso de crianças encontradas mortas: RENLUV CRITICA AUSÊNCIA DE MECANISMOS DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E CLAMA POR JUSTIÇA


O responsável do observatório da Rede Nacional de Luta contra a Violência baseada no género e criança na Guiné-Bissau (RENLUV), Justino Queta, criticou a ausência de mecanismos de proteção das crianças no país e clamou por justiça de todos os casos de crianças encontradas mortas nos últimos tempos no país.

Em entrevista ao jornal O Democrata para falar da situação das crianças, de casamentos precoce e forçado e de mecanismos de proteção de menores, Justino Queta defendeu que, antes de mais, o governo precisa validar os instrumentos de proteção integral das crianças e fazer aplicar esses instrumentos.

“Uma criança precisa de um ambiente favorável para se formar e tornar-se num adulto maduro com preparação para servir o país. O governo, antes de mais, precisa de fato de validar os instrumentos de proteção integral das crianças e fazer aplicar esses instrumentos”, defendeu.

NAS COMUNIDADES ONDE AS PRÁTICAS NEFASTAS VIGORAM É DIFÍCIL ACEITAR AS REGRAS DO JOGO

Relatou que nas comunidades onde essas práticas são visíveis (práticas nefastas vigoram), a aceitação às regras do jogo é um problema sério e que o respeito pelos direitos dos outros e das crianças tem sido um problema nas comunidades onde essas práticas são aceites como um marco cultural e tradicional.

O responsável do observatório da Rede Nacional de Luta contra a Violência baseada no género e criança na Guiné-Bissau (RENLUV), Justino Queta, disse que, tanto o abandono escolar como casamentos precoce e forçado são flagelos fundamentados nas questões culturais e tradicionais, porque não há um debate sério e aprofundado sobre essas temáticas e como consequência, existe um “vazio profundo” relativamente ao conhecimento que as pessoas têm sobre os direito das crianças e da forma como se deve agir para a proteção das crianças.

O ativista disse que, apesar dos constrangimentos, a organização está a realizar trabalhos no terreno, nomeadamente campanhas de sensibilização e de aconselhamentos à população, tudo no sentido de promover mudanças de comportamento e de atitudes nas comunidades onde essas práticas ainda são uma realidade inegável.

Relatou que nas comunidades onde essas práticas são visíveis, a aceitação às regras do jogo é um problema sério e que o respeito pelos direitos dos outros e das crianças tem sido um problema nas comunidades onde essas práticas são aceites como um marco cultural e tradicional.

“Uma criança precisa de um ambiente favorável para se formar e tornar-se num adulto maduro com preparação para servir o país. O governo antes de mais precisa, de fato, de validar os instrumentos de proteção integral das crianças e fazer aplicar esses instrumentos”, defendeu.

Reconheceu que o governo, a nível do Conselho de Ministros, já tem feito alguma coisa, mas como o país está perante uma situação em que o Parlamento não está a funcionar, não se pode fazer muita pressão.

Disse, neste particular, que se estivesse a funcionar, os instrumentos poderiam ter sido submetidos ao Parlamento para a sua validação e posteriormente a sua aplicação e só a partir daí é que a Rede poderia engajar-se para fazer valer os direitos das crianças, nomeadamente o direito à educação e à saúde.

ATIVISTA CONSIDERA “NEGAÇÃO À PATERNIDADE” A PRÁTICA DE DAR FILHO À EDUCAÇÃO DE OUTROS

Justino Queta criticou a falta de responsabilidade dos pais que entregam os filhos a terceiros para serem cuidados em outros ambientes familiares e nem sequer importam de saber se os filhos dormem bem, se tem refeições completas ou adequadas e se vão à escola ou são maltratados.

O fenómeno, segundo Justino Queta, “é uma negação à paternidade” e “falta de responsabilidade de alguns pais”.

“É a responsabilidade dos pais acompanharem o crescimento dos filhos, a educação formal e informal e em tudo o que diz respeito à vida humana, como a sua proteção e garantir que os seus direitos não sejam violados por ninguém. Cuidar de um filho não se resume apenas em dar alimentação ou vestir a criança, envolve muitas outras coisas. Tem de ter uma alimentação equilibrada. Promova hábitos de vida ativa e adapte o seu filho a sua casa. Garanta que tenta acesso à saúde e à educação, bem como que seja uma pessoa protegida de tudo o que é ameaça à sua integridade física e psicológica”, frisou.

Afirmou que a RENLUV, quando se depara com uma situação de violência, tenta reagir para encontrar soluções através de denúncias e sempre tem procurado também os mecanismos para estancar situações de violência na Guiné-Bissau, em parceria com os seus parceiros direitos, a Polícia Judiciária (PJ), o Ministério Público (MP) e algumas organizações que também intervêm nessa matéria e dão auxílio e acolhimento às crianças.

O responsável disse que um dos desafios, de momento, da RENLUV é lutar para combater a violência baseada no género.

Recentemente, a Liga Guineense dos Direitos Humanos denunciou “irresponsabilidade” de pais e encarregados de educação na proteção das crianças e pela forma como várias crianças têm desaparecido ou aparecido mortas em várias localidades do país, nos últimos tempos.

CASOS DE SÃO DOMINGOS E BISSORÃ SÃO PREOCUPANTES E MERECEM UMA INVESTIGAÇÃO

Relativamente a essa situação, o ativista disse que os casos de São Domingos e de Bissorã são casos de “grande preocupação para a Rede” e merecem uma investigação adequada e justa, por não se ter apurado até ao momento exatamente o que aconteceu, quem são os suspeitos nos dois casos e que tipo de investigação está a ser feito para encontrar os presumíveis autores.

Contudo disse esperar que o governo, através dos seus departamentos de investigação, faça o seu papel a nível da justiça, para que os supostos criminosos sejam identificados, levados à justiça e punidos devidamente.

“A primeira posição que a Rede assume perante estas situações é condenar os atos cometidos. A segunda, procurar informações, fazer seguimento. Se o agressor, violador ou se o suspeito for encontrado, trabalhamos para que seja traduzido à justiça. A Rede não parou de investigar os casos que envolvem perda de vidas humanas, porque o que deve reinar é a transparência e a transparência requer procurar fatos reais para resolução de problemas”, afirmou.

“A Rede acompanhou uma história em que o pai foi o responsável pela morte da filha. Acompanhamos o processo até ao julgamento e a sentença ditou uma pena 20 anos de prisão efetiva para o pai. Temos o caso de Bafatá que envolve um homem e uma mulher, marido e esposa. O marido queimou a sua mulher e essa acabou por não aguentar, morreu quando tinha sido levada para o hospital. A RENLUV, em parceria com outras organizações em Bissau, visitou a mulher. Mas devido aos parcos meios de que dispomos a organização não conseguiu fazer mais nada, além de visitar. Ela precisava de medicamentos e de uma alimentação equilibrada, mas não havia condições”, lamentou.

O presidente da organização não-governamental (ONG) guineense, que falava à saída da audiência com a direção Nacional da Polícia Judiciária (PJ), disse que a audiência serviu para abordar “as mortes misteriosas de crianças”, com ênfase no caso de dois menores encontrados mortos na quarta-feira num dos bairros de Bissau.

De acordo com Bubacar Turé, as investigações preliminares na posse da Polícia Judiciária, a partir de peritagem médica, apontam que aquelas crianças teriam morrido por asfixia dentro de um carro que se encontrava numa oficina.

O líder da Liga Guineense dos Direitos Humanos disse que a situação também se deve à falta de responsabilidade dos pais e encarregados de educação das crianças.

“É inaceitável que um pai esteja a dormir e deixe as suas crianças a andarem à toa, nas ruas. É fácil encontrar uma criança de 10 anos a segurar nas mãos duas crianças menores que acompanha para a escola”, afirmou Bubacar Turé.

O ativista reforçou as críticas aos pais, ao afirmar ser incompreensível verificar a quantidade de crianças nas ruas em dias de festa.

Nas mesmas declarações, Bubacar Turé apelou às autoridades a reforçarem medidas de vigilância, mas também exortou os pais e encarregados de educação a adotarem as mesmas condutas, tendo enumerado casos de crianças mortas, em circunstâncias misteriosas, nos últimos meses.

“Uma criança foi encontrada morta e esquartejada, em São Domingos, sem órgãos vitais, no mês de março (..), foram encontradas as ossadas de uma criança no mês de abril numa aldeia do sul do país, uma criança de um ano e meio foi encontrada morta em Bissorã e agora temos este caso de duas crianças encontradas mortas dentro de uma viatura”, relatou.

Uma preocupação que o ativista disse ser urgente para, não só apurar responsabilidades, como também traduzir à justiça todos os envolvidos nos últimos casos que ocorrem na Guiné-Bissau.

RENLUV REGISTA 60 CASOS DE VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO EM 2025 E LESTE LIDERA A LISTA DE CASOS

Relativamente a 2025, disse que a Rede recebeu 60 casos divididos em duas situações, tendo em conta as parcerias que a RENLUV tem com o PNUD, através do projeto clínica móvel, apoiado pelas organizações que refletem sobre as vítimas, logo nas comunidades e com o PNUD, a RENLUV conseguiu identificar 40 vítimas de várias tipologias de violências, incluindo o casamento precoce, a violência doméstica, a violação sexual e outros tipos de violações.

Fora do âmbito deste projeto, a organização disse ter recebido denúncias de 20 casos que totalizam 60 casos em 2025.

“Os dados variam de ano para ano. Há anos que recebemos 50 e há anos em que os números sobem para mais de meia centena de casos”, revelou e disse que a maior parte de prevalência é a zona Leste do país, Bafatá e Gabú, que têm mais prevalência não só da violência, mas também de abandono escolar.

Disse que isso está a ser comprovado nos casos de homicídio de mulheres. Também como zonas de maior prevalência, Bafatá e Gabú têm tido sempre maior número de casos de violações e violência baseada no género, incluindo casos de homicídio. Também em 2023 lideraram a lista, segundo os dados recolhidos no terreno pela RENLUV.

Segundo a ONG, as regiões de Oio e de Tombali também apresentam os mesmos problemas de violência baseada no género e de abandono escolar que Bafatá e Gabú em menor escala, mas preocupante e que requer uma intervenção urgente

“A declaração do Presidente da República sobre a idade para se casar é mais um grito de socorro, um apelo ao reforço de mecanismos de combate e de luta que a Rede sempre tem utilizado para acabar com a situação de casamento forçado e precoce na Guiné-Bissau”, assinalou.

“A legislação diz até aos 18 anos. Se ele ainda acrescentar mais anos, dá para permitir de fato as raparigas em idade escolar estudarem. O governo é parceiro da RENLUV. A Rede tem parcerias com os Ministérios do Interior, da Justiça, da Saúde e da Educação, portanto deve haver um trabalho conjunto para o bem-estar das nossas crianças”, defendeu.

A RENLUV atua em diferentes temáticas de proteção dos direitos das crianças e mulheres, também na questão da saúde sexual reprodutiva.

Neste sentido, o governo tem facilitado a sua intervenção em diferentes casos desta natureza e o próprio Ministério da Saúde tem ajudado a resolver casos críticos como também os Centros de Acesso à justiça têm apoiado nesse processo e demais processos em que a RENLUV esteve envolvida.

“Se há uma violação paternal, o Centro de Acesso à Justiça faz com que o processo chegue ao Ministério Público para a sua resolução”, informou, para de seguida afirmar que a questão de violência tem haver com falta de respeito pelos direitos das pessoas.

“Se todos se envolverem no combate a esses fenómenos, poderemos proteger os direitos das pessoas. Vai haver menos casos de violações de diversas naturezas, entre as quais, violência doméstica, violência contra as crianças e mulheres”, assegurou.

Por: Agostinho Sousa / Natcha Mário M´Bundé
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