Venâncio Mondlane é um dos quatro candidatos às eleições presidenciais em Moçambique. Diz querer “um governo baseado em valores”, "reformar o Estado" e implementar "a descentralização fiscal". Renegociação dos contratos com os megaprojectos e “transparência” para acabar com a corrupção são outras ideias-chave. Para travar a insurgência em Cabo Delgado, Venâncio Mondlane diz que é preciso corrigir “erros históricos” como “o ostracismo a que esteve submetida a província” do norte do país e quer um diálogo por etapas. O candidato apoiado pelo Podemos avisa que se houver fraude eleitoral "o povo vai-se levantar”.
As eleições gerais em Moçambique estão marcadas para o próximo dia 9 de Outubro. Na corrida à presidência do país estão quatro candidatos: Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder; Ossufo Momade, apoiado pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o principal partido de oposição; Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a terceira força parlamentar; e Venâncio Mondlane, apoiado pelo Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos) , sem representaçao parlamentar. Hoje ouvimos Venâncio Mondlane que começa por descrever as três prioridades da sua candidatura.
RFI: Quais são as três medidas principais da sua candidatura?
Venâncio Mondlane, Candidato às eleições presidenciais de Moçambique: A primeira medida é instalar um governo baseado em valores. Nós temos o manifesto, que é um manifesto inovador e fora dos padrões, porque normalmente os manifestos falam sempre de medidas técnicas, medidas que têm a ver com economia, finanças e por aí fora. Mas nós, a prioridade número um é garantir um governo baseado em valores.
Quais valores?
Valores de dignidade, valores de integridade, valores de inclusão, os valores de paz, prosperidade, justiça. Esse é o primeiro ponto. Dois: é preciso reformar o Estado. Reformar o Estado significa o quê? Uma nova Constituição da República. Despartidarizar do Estado moçambicano. Permitir que o Estado funcione como um Estado de Direito democrático de facto, isto é, os órgãos de soberania, Justiça, Poder Executivo, Poder Legislativo funcionarem de forma independente e de forma complementar. E, por último, uma medida económica mais importante em implementar, aquilo que eu chamaria da descentralização fiscal. Estes são os três pilares fundamentais do nosso manifesto.
O que é preciso fazer para acabar com o terrorismo em Cabo Delgado?
Para acabar com o terrorismo em Cabo Delgado é preciso corrigir uma série de erros históricos que foram cometidos. Uma das abordagens que também tem que ser avaliada com alguma atenção é exactamente o termo “terrorismo” porque vai ficando mais do que claro que a questão em Cabo Delgado é mais próxima de uma insurgência do que propriamente de terrorismo. Tanto mais que, por exemplo, durante algum tempinho, eu defendia que o governo moçambicano tinha conhecimento de quem eram os líderes do terrorismo e diziam que eu estava a usar apenas palavras de impacto. Mas agora está provado porque o próprio Presidente da República já prometeu divulgar os nomes das lideranças da insurgência em Cabo Delgado. Então eu sempre estive certo. Logo, por esta via não se pode resolver o problema do terrorismo exclusivamente usando armas.
Então é a via do diálogo?
Sim, mas esse diálogo tem algumas etapas. Primeiro, a identificação das lideranças. Como eu tinha dito, já há muito tempo, que essas lideranças são conhecidas. Dois: é preciso identificar mediadores e isto é muito sensível, é preciso saber quem são, de facto, as pessoas que podem mediar este diálogo. Três: é preciso identificar um caderno reivindicativo desta insurgência. Quatro: naturalmente, depois, é preciso colocar um roteiro de paz com esta insurgência.
Outro ponto que é extremamente importante tem a ver com o erro histórico. O erro histórico foi o ostracismo a que esteve submetida a província de Cabo Delgado. Esta província sempre foi uma província quase que tratada como se fosse um país dentro de outro país. Nunca houve nenhuma política de desenvolvimento, tanto em educação, em saúde e infra-estruturas digna. Cabo Delgado sempre foi uma província esquecida. Cabo Delgado, até antes da insurgência, 70% da economia doméstica de Cabo Delgado era a economia paralela, era o mercado negro. Portanto, basicamente, Cabo Delgado desenvolveu uma economia paralela durante 50 anos, que era a economia do crime e nunca ninguém fez nada por isso porque como nunca houve políticas públicas, nunca houve interesse absolutamente nenhum do governo em tratar Cabo Delgado como uma província com a devida dignidade, a própria província arranjou alternativas de desenvolver uma economia paralela.
A questão é que agora há interesse não só nacional, mas também internacional, nomeadamente com os megaprojetos. O que é que pretende fazer em relação aos megaprojetos? Disse que queria “acabar com a venda de Moçambique a multinacionais” se vencesse as eleições presidenciais...
Nós vamos entrar num processo de renegociação dos contratos por uma razão muito simples. É que todos os megaprojetos que estão aqui em Moçambique, tecnicamente eles já atingiram aquilo que em economia se chama de "break-even point". O "break-even point" é o ponto económico em que o retorno do investimento é superior à despesa, isto é, os custos começam a ser inferiores à receita. Então, quando é assim, já não precisas mais de isenções fiscais. Portanto, a gente só pode falar de isenções fiscais quando há situação de investimento e que as receitas provenientes desse investimento são inferiores à despesa, o que não é o caso.
Todos os megaprojetos já superaram o "break-even point". A Mozal, a Sasol, todas essas. Então significa que não há razões de nós continuarmos com essa generosidade relativamente às isenções fiscais. Eles têm que pagar impostos, tal e qual todas as empresas, mesmo as empresas que prestam serviços multinacionais que pagam cerca de 15 impostos por ano.
O grande problema das isenções fiscais é que quem determina o licenciamento dessas empresas tem acordos, digamos assim, acordos ocultos em que essas multinacionais abrem janelas de negócios com algumas empresas da elite para prestarem serviços e, em troca disso, a elite, como sabe que não tem como investir, considera isenções fiscais, mas para interesses individuais. Quebrando essas negociações ocultas com empresas desta elite, essas empresas não vão ver com maus olhos a questão de pagarem impostos.
Falou em negociações ocultas. Como é que se pode lutar contra a corrupção que tanto marca a imagem de Moçambique a nível internacional?
Um dos elementos da luta contra a corrupção de forma mais eficiente e sem gastar muito dinheiro é, primeiro, a transparência de duas coisas: primeiro, a transparência da despesa do governo e, segundo, a transparência dos negócios do governo. Se se tornar isto público, transparente e deixar de se tratar isto como matéria classificada, 90% da corrupção cai aí. A grande corrupção está onde? A corrupção aproveita-se exactamente por causa do lado oculto dos negócios do Estado. Por exemplo, agora os contratos com as multinacionais: os detalhes dos contratos são tratados como matéria classificada. Então aí tens um campo aberto para te corromperes e fazeres coisas muito para além daquilo que é aceitável.
Moçambique é regularmente classificado entre os países mais vulneráveis às consequências das alterações climáticas. Que medidas para mitigar o impacto das alterações climáticas em Moçambique?
Vou dizer uma coisa muito simples: é só cumprir a lei, mais nada. Nós temos uma lei do ambiente em Moçambique e temos um regulamento da Lei do Ambiente que determina as medidas que se deve tratar o ambiente, tanto pelas empresas, pelos agentes económicos, como pelos privados. É só isso. Se nós cumprirmos com isso, nós vamos mitigar. Nós temos aqui uma Lei do Ambiente que determina, por exemplo, como reservas ecológicas as zonas húmidas. A partir do momento em que nós cumprimos a lei e o governo respeita as zonas húmidas, você já tem aqui uma medida extremamente importante para a mitigação dos choques. É só respeitar isso. Na cidade de Maputo, nós temos ali uma das maiores bandas de mangais de Moçambique. Nós tínhamos cerca de 30 quilómetros de mangal. O que está a acontecer é que a zona do mangal está sendo concedida para construção civil. Se a gente cumprisse com a lei, pura e simplesmente, o mangal estaria a desempenhar a função que deve desempenhar, que é a proteção das espécies marinhas e não havia erosão das nossas zonas costeiras como está a haver agora. Em relação a esta matéria, eu tenho visto muita gente a levantar muitas ideias, mas Moçambique investiu muito para ter uma lei do ambiente, foi feita pelo governo, mas eu estou plenamente de acordo. Eu trabalhei muito com essa lei, como técnico, e tem todos os elementos para proteger o nosso ambiente. É só isso, é só cumprir a lei.
Concorre pela primeira vez à Presidência da República. O que faz de si o melhor candidato?
Primeiro, sou o único candidato com serviço público em defesa dos mais desfavorecidos, em defesa deste povo. Sou o único candidato com um manifesto profundamente patriótico e que defende o resgate dos valores patrióticos. Sou o candidato neste momento com as maiores qualificações técnicas entre os quatro. Sou o candidato neste momento que tem a maior, e de longe, a maior interação com o povo e que percebe muito bem das aspirações, das aflições e dos desejos deste povo.
Durante um comício na Zambézia, apelou aos moçambicanos para, passo a citar, “apertarem o gatilho se houver evidências de fraude nas eleições”. Como é que vai reagir se os resultados não lhe forem favoráveis?
Se não forem favoráveis, mas forem transparentes, pura e simplesmente continuo a fazer o meu trabalho político. Agora, se não me forem favoráveis e não houver transparência, houver roubo, houver fraude, logicamente que este povo está disponível para se levantar contra isso e eu não me vou separar do meu povo.
Ou seja, manifestações na rua, contestação eleitoral?
Não sei se vai ser só aí, mas a verdade é que o povo vai-se levantar.
Por: Carina Branco
Conosaba/rfi.fr/pt/
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