A
Guiné-Bissau celebrou neste mês de Maio de 2015 os seus 18 anos de adesão à
União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA), uma zona monetária criada em
1939 pela França, depois da crise financeira mundial de 1929, com o objectivo
de proteger a sua economia e o seu comércio exterior.
Em 1945,
General De Gaulle, antigo presidente da França, criou o FCFA que significa
literalmente Franco das Colónias Francesas
da África, que a partir dessa data passa a ser a moeda única para
todos os países que compõem a Zona franca. Constitucionalmente, o FCFA
pertence à França porque foi ela que a criou através do artigo 3 do decreto
4501/36 (Le Franc CFA et l’Euro contre l’Afrique) [Nicolas Agbohou, 2000).
A França,
através do FCFA, rouba abusivamente, de forma legal, e importa gratuitamente
todas as matérias primas dos países da UEMOA.
Por dever
moral e pelo valor da justiça e da liberdade que me caracteriza, recuso a
cumplicidade, através do silêncio, na assistência ao genocídio silencioso da
França, através do sistema de gestão do FCFA, contra as populações dos países
da zona franca através do controle que exerce no conselho da administração do
BCEAO e da moeda FCFA, para manter esses países na dependência e na pobreza.
Sem
relatar a história da sua criação, nem tentar explicar as razões que nortearam
a nossa adesão, gostaria de vos convidar à uma análise profunda de reflexão
sobre três dos quatro princípios do funcionamento do FCFA e denunciar a atitude
maliciosa “de rouba” da França aos países da UEMOA .
O
primeiro principio é a centralização das reservas de câmbio no Tesouro
público francês. Em virtude da aplicação das disposições do artigo primeiro
da convenção da cooperação monetária entre a França e os países membros da
UEMOA, decidiu-se que estes últimos têm por obrigação de depositar 50% das
divisas provenientes do resultado de suas receitas de exportação em divisa numa
conta denominada Conta de Operações aberta no Tesouro Público francês em
nome do BCEAO. Graças a esses depósitos, a França consegue garantir a
convertibilidade dessas divisas em Franco CFA e permitir o BCEAO a emissão da
moeda.
A titulo
de exemplo, se a Guiné-Bissau vender as licenças de pescas à União Europeia por
um montante total de 10 Milhões de Euros, esse montante será depositado na sua
conta junto ao BCEAO e essa, por sua vez, vai depositar os 10 milhões da
Guiné-Bissau na conta de operação no tesouro público francês para ser
convertida em FCFA, porque o governo da Guiné-Bissau precisa de CFA para as
suas despesas públicas, pois não pode utilizar euros para pagar salários e
outra despesas. E como é estipulado no artigo primeiro da cooperação monetária,
a França vai ficar com 50% desse dinheiro para garantir conversão em CFA, neste
caso 5 milhões de euros que a Guiné-Bissau nunca mais receberá. Para os
restantes 5 milhões, a França vai os converter em CFA.
Assim, a
França fica com metade dos valores da exportação da Guiné-Bissau, em divisas, e
dos outros países da união, que servirá para cobrir o seu défice comercial,
pagamento das suas dívidas externas, emprestar aos próprios países africanos,
etc. O montante imputado nas receitas da exportação dos países membros, deve,
em principio, gerar juros que a França paga aos Bancos centrais e por incrível
que pareça, esse montante é contabilizado na ajuda pública ao desenvolvimento
da França aos países da UEMOA.
A França,
a partir da conta de operação, não só rouba aos países da zona franca a metade
das suas receitas de exportação, mas também importa gratuitamente todas as
matérias primas necessárias para alimentar as suas indústrias, através de uma
simples escritura contabilística de crédito na conta de operação do montante
que deveria pagar.
Como
podem constatar, as consequências da conta de operação são múltiplas e bloqueia
toda a possibilidade da industrialização dos países da zona CFA.
Desde
1945 até hoje, ninguém sabe, nem o BCEAO, o montante exato detido nessa conta
de operações, pois a França nunca lhe tornou público.
O segundo
principio é a fixação de taxa de câmbio fixo do FCFA indexado a Euro (1 euro
= 655 FCFA). A UEMOA adotou um regime de taxa de câmbio fixo, o que
significa que o valor do FCFA no mercado mundial depende do valor do
Euro. Em outras palavras, os países da UEMOA não têm controlo da sua política
de câmbio e como o euro é uma moeda forte então os produtos desses países
custam muito caro no exterior e dessa maneira não são competitivos. Se não
podemos vender o nosso produto no exterior, a nossa exportação vai diminuir
enquanto que as importações continuam aumentar, então a balança comercial será
deficitária. Como já importamos as divisas, acusamos também os défices de
capitais. A acumulação dos défices da balança comercial e dos capitais
provoca défice da balança de pagamentos, o que é extremamente
preocupante.
Com a
taxa de câmbio fixo, os países da UEMOA não podem decidir sobre a
desvalorização do FCFA nos momentos das crises económicas para aumentar a
competitividade (protecionismo monetário), nem da sua valorização durante
diferentes ciclos económicos que pode ser necessária para um bom funcionamento
das suas economias. O mais grave é que a França é obrigada a informar à União
Europeia sobre qualquer eventual modificação dos acordos monetários com os
países da UEMOA e deve obter uma aprovação prévia da comissão europeia.
Outra
consequência da paridade FCFA e Euro é o seu custo, que muitas vezes obriga os
países membros a adoptar políticas de austeridade, reduzindo drasticamente as
despesas públicas (educação, transportes, saúde, administração pública, etc.).
Os países da UEMOA podiam evitar este rigor monetário inútil se a taxa de
câmbio não fosse fixa e que o FCFA não estivesse indexado ao euro.
Há uma
gestão absurda da taxa de câmbio na zona CFA, pois a indexação ao Euro
significa um enforcamento de todo tipo de competição internacional. A França
nos convenceu que é uma boa coisa ter uma moeda forte e estável porque com isso
vamos desenvolver rapidamente, mas que na realidade é falsa. Sabemos que na
Coreia de Sul, 1 euro custa 1.207 Wons, mas o salário médio anual é de $32.000
dólares por ano. No Vietnam, 1 euro custa 23.958 Dongs, mas eles são o segundo
exportador mundial do arroz. No Irão, 1 euro custa 31.396 riais e sabemos todos
que o Irão não more de fome e do medo.
Terceiro
e último princípio que gostaria de analisar é a livre convertibilidade do
FCFA, que significa teoricamente que o FCFA pode ser convertido para
qualquer moeda internacional. Na prática, o FCFA não é uma moeda convertível,
pois não tem nenhum valor no exterior dos países que o utiliza como a moeda
nacional. A prova disso é que não se pode trocar o FCFA em nenhum país europeu
e do mundo, nem mesmo na França. Esse princípio se aplica só entre os
países membros da zona CFA e a França. Essa moeada facilita apenas os
investimentos franceses na África, o repatriamento dos capitais e a importação
da França das matérias primas africanas e bloqueia todo o tipo de trocas
comerciais entre os países da UEMOA e dos países exteriores da zona CFA.
À margem
de tudo isso, podemos mesmo questionar se a UEMOA é uma zona monetária ótima.
A teoria
económica da Zona Monetária Ótima do economista Robert Mundell (1961), prémio
Nobel da economia 1999, estipula que se as economias locais de diferentes
países da mesma região são homogéneas/idênticas e que esses países respondem da
mesma maneira aos choques externos, eles podem adoptar uma única moeda, mas
caso contrário, é melhor que cada país conserve a sua própria moeda adoptando
um sistema de taxa de câmbio flexível que servirá de meio de regulação
para a estabilização da sua política económica.
Baseando
na teoria acima citada, podemos constatar facilmente que a União Económica
Monetária Oeste Africana (UEMOA) não é uma zona monetária ótima. Existe, pois,
uma forte heterogeneidade das estruturas económicas dos países da UEMOA onde
três tipos de economias coexistem e não reagem da mesma forma aos choques
externos. Como se sabe, as economias dos países do Sahel são fortemente
dependentes das condições climáticas (Burkina-Fasso, Mali e Níger); as
economias relativamente industrializadas e com forte incidência nos domínios de
serviços (Cotê D’Ivoire e Senegal) e finalmente as economias costeiras com uma
dinâmica no comércio de importação e Exportação (Benin, Togo, Guiné-Bissau).
Com essas
análises, considerando a complexidade da situação e os aspectos políticos com
os acordos secretos militares assinados entre os estados africanos e a França e
a não otimização da zona UEMOA para uma moeda única e a total dependência dos
países oeste africanos aos países ocidentais, estamos confrontados com uma
situação critica, que, se não fizermos nada agora, estaremos condenados à uma
vida de miséria para a eternidade.
Na minha
opinião, duas soluções temporárias podem ser consideradas a curto e ao médio
prazo, até que conseguimos ser soberanos, para depois assumirmos com firmeza o
destino do nosso continente.
Primeiramente,
a moeda, como pilar da economia à volta da qual diferentes programas se
articulam, é indispensável e é precisoo que os países africanos tenham em mão o
seu controlo. Para o fazer, é urgente a retirada dos representantes da França
no Conselho da Administração do BCEAO e a abolição da obrigação de depositar
50% das divisas provenientes do resultado das nossas receitas de exportação na Conta
de Operações aberta no Tesouro Público francês, para que possamos ter o
controlo da nossa política monetária, por conseguinte controlar a nossa massa
monetária (quantidade de dinheiro em circulação na zona CFA).
Com o
controlo do BCEAO pelos africanos, poderemos controlar, consequentemente, os
Bancos comerciais e definir uma melhor política de desenvolvimento nacional e
regional. Controlando a nossa massa monetária, as vantagens serão várias: o
pagamento regular dos salários dos funcionários públicos através dos tesouros
públicos nacionais sob controle do Tesouro Público Sub-Regional, a capacidade
de satisfazer as necessidades básicas das populações (alimentação, água
potável, habitação, saúde, transportes, educação, energia, defesa e segurança,
etc.).
A segunda
solução é a Industrialização das nossas economias para a transformação
das nossas matérias primas agrícolas, minerais e energéticas. Ao mesmo tempo,
devemos apostar na Criação das empresas públicas, privadas e mistas com uma
política protecionista para reduzir as importações e aumentar as exportações,
melhorando assim a nossa balança comercial e a balança de pagamento, pois só
assim podemos desenvolver os nossos países.
Em
conclusão, devemos assumir desde já o nosso próprio destino com acções
concretas, a começar com a nossa política monetária, no quadro da UEMOA. E caso
não o fizermos hoje, iremos correr o risco de hipotecar indefinidamente o
futuro dos nossos países e das gerações vindouras.
Lassana Mané, Economista
e Planificador Financeiro