Dr. Luís Vicente
The round table, la table
ronde ou a mesa redonda …”, foi criada com este
formato para que não tivesse cabeceira, representando a igualdade de todos os
seus membros. Tem a sua origem no século V, a Távola Redonda, à roda da qual o Rei Artur e os seus cavaleiros se
reuniam para contar os feitos e procurar novas aventuras. Tratava-se de uma
força em prol da harmonia e da fraternidade, um antídoto contra a ambição, a
ânsia da supremacia e do poder, defeitos humanos que caracterizavam a
mentalidade na Idade Média.
Deixando, por agora, os
factos históricos e os feitos do Rei Artur e seus cavaleiros, gostaria de
partilhar convosco o exemplo de um país africano que já passou pelo crivo da tão
badalada mesa redonda. Talvez sirva até de referência e mote para o encontro que
colocará, “face to face”, as
autoridades guineenses e parceiros internacionais.
Se bem recordam,
decorria o ano de 1995 e nos órgãos de comunicação social acompanhamos a
notícia que a seguir se transcreve:
(…) Mil milhões
de dólares de financiamento internacional para a reconstrução de Angola: eis o
resultado final da mesa redonda dos doadores que se realizou em 25 e 26 de
Setembro de 1995 em Bruxelas, por iniciativa das Nações Unidas e da Comissão
Europeia. "É um enorme sucesso que terá consequências importantes para o
futuro de Angola" afirmou o Prof. João de Deus Pinheiro, Comissário
Europeu responsável pelas relações com os países ACP - Africa, Caraíbas e
Pacífico - e anfitrião da mesa redonda. "Jamais uma conferência de
doadores conseguiu obter tal nível de financiamento" acrescentou o
Comissário, bastante satisfeito com os resultados obtidos pela mesa redonda que
se realizou, pela primeira vez para iniciativas deste tipo, nas instalações da
Comissão. Os montantes obtidos repartem-se da seguinte forma: 786 milhões de
dólares a título do programa de reabilitação e desenvolvimento; 207 milhões de
dólares para o programa de ajuda humanitária. Com a concretização de outros
compromissos já anunciados, estima-se que o total dos fundos disponibilizados
excederá mil milhões de dólares. A Comissão Europeia contribuirá com um
montante de 154 milhões de dólares. Se a este montante acrescermos as
contribuições dos Estados-membros, a participação global da União Europeia
representa 43% do total dos compromissos da comunidade internacional (…)
Na
altura foi considerada uma grande vitória para um país que acabara de sair de
uma guerra civil que opunha o partido no poder MPLA e a UNITA, portanto, um enorme
balão de oxigénio financeiro para fazer face às adversidades e desafios futuros
do país.
Como
é sabido, a realidade angolana é diferente da guineense, os contextos são
outros, a europa e o mundo atravessam uma crise orçamental grave, existe pouca
liquidez financeira e o nível de financiamento é menor, portanto, as condições
que irão ser colocadas em cima da mesa serão muito exigentes, requerendo muita
discussão, arte e engenho ao longo das negociações.
Na
verdade, não se pretende que o exemplo de Angola seja transposto para a Guiné-Bissau.
São, como se disse, duas realidades distintas, espaços temporais distintos e
posicionamentos históricos dissemelhantes. É importante sim, recomenda-se, serenidade,
ponderação, elevado sentido de estado e responsabilidade nas negociações, mas,
também, é fundamental uma excelente gestão dos recursos financeiros obtidos e
sua aplicação no terreno.
Por
conseguinte, não se pretende que a troco de uma negociação, que se prevê muito difícil,
pelos motivos que todos sabemos, alguns recursos e sectores estratégicos do
país sejam entregues aos parceiros internacionais. Contudo, parece-nos que estão
a ser ponderadas situações de salvaguarda dos interesses nacionais, de acordo
com os dados que têm vindo a ser tornados públicos.
Tomemos
como exemplo o desenvolvimento e infraestruturação de angola iniciado após a mesa
redonda de 1995 e o reflexo da sua dependência económica num único produto. É
certo que hoje angola é o segundo maior produtor de petróleo africano
subsariano, recebendo desse produto 76% das suas receitas ficais em 2013 e
representando mais de 99% das exportações no ano passado. É certo também que a crise
mundial que hoje se assiste com a quebra do preço do crude no mercado
internacional e, automaticamente, o aumento da dívida externa e redução da
circulação de divisa estrangeira no país, tem impacto sobre o orçamento geral
do estado nas funções vitais, nomeadamente na educação, saúde emprego e
alimentação, com efeito negativo na vida das pessoas.
Podemos
considerar que a visão estratégica angolana defendida nessa altura e que
residia essencialmente no petróleo e seu processamento, deveria ter sido
acompanhada de outras áreas de desenvolvimento, conforme terei oportunidade de
abordar mais à frente.
Apesar
de ser um país produtor de petróleo, angola tem somente uma pequena refinaria
em Luanda que não oferece capacidades para satisfazer a procura do rápido
crescimento económico nacional. Por este motivo, importa anualmente 250 milhões
de dólares de produtos derivados. Talvez poderiam ter sido criados milhares de
postos de trabalho se o investimento fosse todo ele feito no território
angolano, desde à extração, refinação, logística e comercialização do petróleo
e seus derivados. Concretamente, em resultado dessa falha estratégica, as
assimetrias regionais cada vez mais gritantes e gigantescas consolidam o
posicionamento e centralidade da capital angolana – Luanda – capital financeira,
criando uma elite indiferente ao resto da população.
Quero
com isto realçar o facto de que a visão estratégica defendida pelo governo angolano
em 1995, na sequência da preparação da tal mesa redonda, poderia ter ido mais
além, tendo em conta os recursos que o país dispunha e dispõe, não só no campo dos
recursos geológicos como também agroalimentar, indústria, turismo e
biodiversidade.
A
agricultura em Angola, até 1973, satisfazia a maior parte das necessidades
alimentares do mercado nacional. Segundo a Organização das Nações Unidas,
Angola é o 16º país com maior potencial agrícola do mundo, mas atualmente
apenas 3% da terra arável está cultivada. Já foi um dos maiores exportadores
mundiais de café e outras “commodities”
agrícolas como o algodão, milho, mandioca e banana. Hoje, a agricultura em angola
carateriza-se por produções agrícolas de valores muito baixos e o país gasta
elevados recursos financeiros na importação de alimentos, ou seja, importa
cerca de 80% de bens alimentares.
Este
é apenas um dos vários exemplos nas negociações e contrapartidas de ajuda ao
desenvolvimento que, às vezes, a troco de um recurso natural estratégico comprometemos
o futuro de outros sectores de atividade e da produção de riqueza de forma
equilibrada e sustentável.
Por
outro lado, é preciso ter em atenção que a crise económica fez com que os
governos ocidentais procurassem novos negócios sem olhar ao contexto político
dos países africanos, contando com o exemplo da conhecida política de não
interferência da China, um dos novos grandes investidores em África na
exploração de recursos-naturais.
Creio
que não irá acontecer situação semelhante na Guiné-Bissau, pois do que conheço
do programa estratégico que será apresentado, dispõe um conjunto de ações que
combinam e articulam com os objetivos programáticos de desenvolvimento
sustentado. No entanto, é sempre importante acautelar toda esta situação e criar
um mecanismo de controlo e de monitorização das questões sociais e económicas, tendo
em conta a lógica de descentralização e desenvolvimento das regiões de forma
coesa e objetiva.
Por
outro lado, no que respeita à importância que se dá aos projetos de
desenvolvimento e a forma como atuam nos planos político, económico, social,
cultural e ambiental, tendo em conta a lógica das necessidades e dos modelos de
governação, devem ser enquadrados sempre na ótica do modelo de desenvolvimento
que o País carece e não tanto na arquitetura de programas previamente definidos
pelos parceiros internacionais e organismos financiadores.
É
importante, ainda, verificar se os subsídios e as contrapartidas subjacentes ao
financiamento dos mesmos têm em conta à alavancagem económica e social que se
pretende, tanto no plano nacional como internacional. O equilíbrio geracional é
importante e deve ser observado durante as negociações.
Lisboa,
12 de Março de 2015.
Luís
Vicente.
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